A única certeza em comum que temos nesta vida é a de que um
dia morreremos. E o acometimento de pessoas que amamos por doenças fatais
mostra-se tão angustiante não apenas pelas perdas irreparáveis em que implica, mas também pelo que representa de reiteração da lembrança do tempo limitado
que temos para viver.
Quando pensamos a morte não a desejamos cercados de
instrumentos no ambiente frio de um hospital, medicados por gente que
desconhecíamos e que nos tratam com profissional indulgência. Pensamos a morte
em casa, entre amigos e pessoas que sabemos desejar nossa companhia.
O Medicaid, a agência de assistência à saúde dos Estados Unidos
fez um estudo em 2010 para saber que circunstâncias as pessoas desejavam para
a sua morte. Descobriram que nada menos de 70% delas tinham o desejo de
morrer em sua própria cama, mesmo que ladeados por um único animal de estimação.
O dado, entretanto, chocava-se com uma estatística bastante
diversa: a de que igual número de americanos morria em hospitais e não em casa.
Constatou-se uma realidade oposta àquela pretendida pelo respondente das
pesquisas. Não havia conforto nem reconforto ao se morrer, muito embora fosse
isso que as pessoas mais desejassem.
A pesquisa permitiu descobrir que a causa desse descompasso
era a existência de uma espécie de tabu em torno do tema. As pessoas não
comunicavam umas às outras esse drama comum pelo simples motivo de que
abordá-lo seria desagradável. E o que era tabu em plena saúde assim o
permanecia quando sobrevinha a doença, com o hospital transformado em lugar
de despedida daquele que partia.
A situação, que não diferente no Brasil, tem implicações não
apenas humanitárias. Morrer no ambiente frio de um hospital, de maneira higiênica
e discreta envolve custos consideráveis para o sistema de saúde. Manter um
doente terminal internado por 2 ou 3 meses em hospitais, muitas vezes em UTIs,
possui custos elevadíssimos para toda a sociedade.
Só nos Estados Unidos, onde dados desse tipo estão
disponíveis, 25% das verbas do sistema de saúde são destinadas a
apenas 5% de doentes nesse estágio. Investigações clinicas ainda revelam que o tempo de vida de doentes terminais é significativamente reduzido em razão dos
estresse emocional decorrente de longos período de internação e distanciamento familiar. O mesmo estudo mostrou que a simples iniciativa de dialogo poderia reduzir em 36% as despesas com doenças progressivas no país.
Como reverter uma situação dessa natureza em que a
ausência de uma conversa franca parece estar na origem? A
resposta não pode ser outra senão a desinterditar o tema de modo a retirar o véu de constrangimento que o
envolve, transformando sua discussão em matéria de políticas públicas de saúde.
Ao Estado competiria, por meio de fóruns apropriados e
instâncias de escuta e participação da sociedade, a iniciativa franquear esse debate a fim de
tornar possível a manifestação e o registro formal do desejo de morte em ambiente familiar, sem que haja, naturalmente, o risco de desassistência. Para tanto, aos serviços de saúde caberia o papel de
assegurar os meios materiais indispensáveis a uma
assistência final adequada àqueles que optassem pela iniciativa de cuidados em
casa.
Os serviços de saúde vêem há algum tempo se encaminhando
nessa direção sem que seja dado, no entanto, o passo decisivo de oferecer aos cidadãos essa opção
pessoalmente mais humana e socialmente mais responsável de lidar com a própria morte.
Mais, essa
iniciativa apenas poderia ser gerida em escala local, com os serviços de saúde municipais
cadastrando e orientando a prestação de serviços especiais àqueles que por eles optassem. Nada muito diferente do que se faz hoje com a doação de órgãos.
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