domingo, 28 de abril de 2013

Folha: Jânio de Freitas acusa Gilmar Mendes







No picadeiro - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 28/04

O ato cogerador da 'crise' é de Gilmar Mendes, a pedido de um partido do próprio Congresso, o PSB


A "crise" entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a "crise", na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país.

Não é verdade, como está propalado, que o Congresso, e nem mesmo uma qualquer de suas comissões, haja aprovado projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente levado a plenário. A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.

Daí a dizer dos parlamentares que "eles rasgaram a Constituição", como fez o ministro do STF Gilmar Mendes, vai uma distância só equiparável à sua afirmação de que o Brasil estava sob "estado policial", quando, no governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou pela investigação policial.

De autoria do deputado do PT piauiense Nazareno Fonteles, o projeto, de fato polêmico, não propõe que as decisões do STF sejam submetidas ao Congresso, como está propalado. Isso só aconteceria, é o que propõe, se uma emenda constitucional aprovada no Congresso fosse declarada inconstitucional no STF. Se ao menos 60% dos parlamentares rejeitassem a opinião do STF, a discordância seria submetida à consulta popular. A deliberação do STF prevaleceria, mesmo sem consulta, caso o Congresso não a apreciasse em 90 dias.

Um complemento do projeto propõe que as "súmulas vinculantes" -decisões a serem repetidas por todos os juízes, sejam quais forem os fundamentos que tenham ocasionalmente para sentenciar de outro modo- só poderiam ser impostas com votos de nove dos onze ministros do STF (hoje basta a maioria simples). Em seguida a súmula, que equivale a lei embora não o seja, iria à apreciação do Congresso, para ajustar, ou não, sua natureza.

O projeto propalado como obstáculo à criação de novos partidos, aprovado na Câmara, não é obstáculo. Não impede a criação de partido algum. Propõe, isso sim, que a divisão do dinheiro do Fundo Partidário siga a proporção das bancadas constituídas pela vontade do eleitorado, e não pelas mudanças posteriores de parlamentares, dos partidos que os elegeram para os de novas e raramente legítimas conveniências. Assim também para a divisão do horário eleitoral pago com dinheiro público.

A pedido do PSB presidido pelo pré-candidato Eduardo Campos, Gilmar Mendes concedeu medida limitar que sustou a tramitação do projeto no Congresso, até que o plenário do STF dê a sua decisão a respeito. Se as Casas do Congresso votassem, em urgência urgentíssima, medida interrompendo o andamento de um processo no Supremo Tribunal federal, não seria interferência indevida? Violação do preceito constitucional de independência dos Poderes entre si? Transgressão ao Estado de Direito, ao regime democrático? E quando o Supremo faz a interferência, o que é?

Ao STF compete reconhecer ou negar, se solicitado, a adequação de aprovações do Congresso e de sanções da Presidência da República à Constituição. Outra coisa, seu oposto mesmo, é impedir a tramitação regimental e legal de um projeto no Legislativo, tal como seria fazê-lo na tramitação de um projeto entre partes do Executivo.

O ato intervencionista e cogerador da "crise", atribuído ao STF, é de Gilmar Mendes -e este é o lado lógico e nada surpreendente do ato. Mas o pedido, para intervenção contra competência legítima do Congresso, foi de um partido do próprio Congresso, o PSB, com a aliança do PSDB do pré-candidato Aécio Neves e, ainda, dos recém-amaziados PPS-PMN.

Com o Congresso e o STF, a Constituição está na lona.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Prefeito, não caia nessa!







Estará cometendo um grave erro o prefeito Haddad se cair no canto de sereia da adoção do rodízio de veículo o dia inteiro na cidade de São Paulo, nos termos do que propõe seu secretário do verde  Ricardo Teixeira. Erro técnico e político.

Do ponto de vista das suscetibilidades da classe média, seria intolerável que se colocasse restrições à circulação de transporte individual antes que tivesse melhorado em quantidade e qualidade o transporte coletivo na metropole. A política da denegação do prefeito anterior, de não pode isso não pode aquilo, deu no que deu: sua derrota no primeiro pleito a que se submeteu.

Fosse palatável ao eleitorado a proposta que o aliado de ocasião traz a baila, Haddad a teria sustentado ainda durante sua campanha eleitoral. Se não o fez, foi porque sabia de antemão desgastante e impopular a medida. De medidas necessárias, porém impopulares o inferno está cheio, haja vista a indefensável política de taxação da coleta de lixo que quase impediu a volta do PT ao poder municipal ao mesmo tempo em que baniu da administração pública a prefeita Marta Suplicy.

Se duvidar dos efeitos politicamente funestos da eventual instituição do rodízio de veículos, consulte o prefeito a biografia do ambientalista Fábio Feldman, que sem ousar tanto (o rodízio diário) teve a carreira política cessada depois que, quando secretário do meio ambiente do Estado, decidiu pela instituição do rodízio dentro do que se convencionou chamar de centro expandido da cidade.

Bonitinho em suas calças jeans, o neófito em administração pública Feldman viu minguar o eleitorado que lhe depositara confiança e nunca mais voltou à Câmara dos Deputados para onde havia sido eleito inicialmente com votação consagradora. O mesmo pode ser dito sobre a medida complementar ao rodízio, a inspeção veicular, também ela recusada pelo eleitorado na forma como vinha sendo implantada.

Mas é no campo da realidade concreta que o rodízio de veículos mostra-se uma medida ineficaz. Na cidade do México, onde foi implantada desde os anos 1980, a medida duplicou a frota circulante e elevou em 10 vezes a emissão de gases do efeito estufa. 

Desatendidas com transporte público de qualidade, as famílias preferiram adquirir um segundo ou terceiro veículo usado, os quais, em menos de uma década, tornaram a iniciativa absolutamente inócua e até mesmo impossível de ser revertida, já que cancelá-la implicaria em súbito e inexequível aumento do número de carros nas ruas.

Convém ao prefeito conservar seu capital de credibilidade deixando de recorrer a medidas momentosas que fujam ao dever de casa a que se propôs quando foi candidato, melhorar o transporte de massas com a construção de novos corredores de ônibus e a segregação do tráfego em favor do transporte coletivo.

O secretário do verde, que sugere a medida, não estará por perto quando o prefeito tiver de explicar ao eleitorado do porquê de haver baixado medida não combinada em campanha e sem que tivesse feito o que lhe cabia para mitigar as causas estruturais dos problemas de trânsito. 

domingo, 21 de abril de 2013

A Globo, o Carandiru e o Mensalão








Se faltavam provas para confirmar a instrumentalização que se faz das concessões de rádio e TV no Brasil para propósitos de interesse das empresas jornalísticas, essas nos são oferecidas agora com a cobertura absolutamente desproporcional com a dimensão dos fatos feita pelas maiores emissoras sobre o massacre perpetrado pela polícia miliar do Estado de São Paulo no extinto presídio do Carandiru há mais de 20 anos.

As transmissões do julgamento de parte reduzida da tropa que entrou atirando no pavilhão 9 do estabelecimento penitenciário naquele fatídico 2 de outubro de 1992 tiveram caráter laudatório, formal por assim dizer, sem os comentários de jornalistas destacados para fazer revelar os aspectos não aparentes dos procedimentos jurídicos em curso.

E o que foi o massacre do Carandiru? Nada menos que um evento macabro que manchou as instituições do País junto à comunidade internacional de direitos humanos ao longo dos 21 anos em que permaneceu aguardando julgamento. Duas centenas de presidiários foram sumariamente fuzilados depois de uma rebelião desfechada devido a briga de encarcerados.

Por coincidência, estive no Carandiru alguns dias antes do motim, e do massacre que lhe seguiu, a convite do então diretor Ismael Pedrosa. Ao lado do ex-deputado Álvaro Fraga, ouvi do diretor um relato desesperançado sobre a falta de recursos, a impossibilidade de separação de detentos e a confissão de que a qualquer momento “a panela de pressão iria arrebentar”.

Do lado de fora gritos e palavrões tornavam a deglutição difícil e a refeição, feita e servida pelos próprios presos, um repasto que demorava a terminar. Soube-se que fora ele, Pedrosa, quem acionara a PM para impedir o trágico acontecimento que informou temer naquele almoço.

Arrependeu-se do pedido de intervenção, disse-me Fraga depois, porque o que se viu foi uma das maiores tragédias do sistema prisional brasileiro. Mais que os 111 de mortos de que se tem notícia, porque, revelou Pedrosa, parte considerável das vítimas fatais havia sido transportada para fora do presídio por caminhões basculantes destinados ao transporte de lixo.

Pedrosa foi morto depois, quiçá por causa das informações que guardava, ainda antes que também o mandante Coronel Ubiratã fosse assassinado, ironicamente nu como aqueles a quem mandara matar.

Mas nem a morte de Pedrosa nem a morte do coronel foram associadas ao grande massacre de que foram protagonistas e testemunhas oculares, principalmente porque não interessou a imprensa, que se autoproclama independente, revelar as tramas que envolveram o episódio nesses 21 anos que se passaram.

Mas que diferença da postura adotada em relação àquele julgamento mais recente, denominado mensalão, em que estiveram envolvidos antagonistas da principal emissora de televisão do País, a Rede Globo.

Nesse, a cobertura foi acompanhada durante 4 meses com chamadas nos intervalos da programação, entrevistas exclusivas com especialistas e a designação de comentaristas especialmente destacados para formularem as interpretações jurídicas que a direção da emissora considerava devessem ser abraçadas pelos juízes do Supremo Tribunal Federal.

Não se interessou a Globo em tematizar o massacre do Carandiru em razão do fato de que fazê-lo seria expor os sucessivos governos paulistas que, apoiados pela emissora, buscaram resguardar seus oficias militares e retardar o julgamento sistematicamente cobrado pela comunidade internacional.

Tivesse-o feito estaria obrigada a esclarecer causas estruturais da violência noticiada diariamente em seus telejornais, como o surgimento da organização criminosa PCC – que se apresenta antes como organização de apoio social a encarcerados pós Carandiru – e a política prisional de depósito de gente seguida pelos governos estaduais, que deu ensejo à mais acelerada disseminação dos crimes violentos em São Paulo.


sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dilma é o Lula de saias






O conservadorismo em politica não tem noção de seu próprio ridículo. Tomemos o exemplo dos elogios que deram de fazer alguns destacados tucanos a Lula ( sim, a ele Lula) por haver marcado seu governo com maior abertura ao que chamam de mercado e, permitido, desse modo, que as taxas de juros subissem ao sabor das conveniências do capital financeiro, muito bem representado na cúpula de seu governo pelo presidente do Banco Central Henrique Meirelles.


Como seria de esperar, a crítica não é movida pela honestidade. Elogiam Lula a fim de criar um divisor de águas que permita caracterizar Dilma não apenas como mais intervencionista do que o antecessor, mas principalmente como refratária aos interesses de banqueiros e de setores oligopolizados da economia.

É óbvia também a finalidade política da manobra. Incapazes de carregar o próprio candidato até os umbrais das eleições de 2014, em virtude da notória escassez de argumentos e carisma com que este se apresenta aos eleitores, os oponentes de Dilma preferem agir como no desenho animado em que o passarinho amarelo não hesitava em clamar proteção quando confrontado com gato da casa, gritando: é o gato! é o gato! Esperam com isso conquistar apoio nos setores empoderados da economia e mais farto financiamento de campanhas.

A comparação é, no entanto, improcedente. Dilma dá seguimento às políticas de Lula, apenas que confrontada com os novos desafios da economia em contexto de crise vê-se obrigada muito mais que ele a intervir com firmeza a fim de manter o ritmo da atividade e a inflação sob controle.

Quando Lula abandonou o governo, a grande crise iniciada em 2008 não havia revelado todos seus efeitos. A Europa ainda não tinha sido contaminada com a súbita desvalorização dos títulos da dívida de importantes países do continente e o excesso de liquidez a que o governo americano havia recorrido para debelar a retração da economia não havia batido à costa brasileira na forma de verdadeiro tsunami monetário, com efeitos deletérios na apreciação do real e, por isso mesmo, também nos resultados das nossas exportações.

À época o comprometimento de Meirelles com os interesses dos banqueiros, no sentido de manter elevadas as taxas de juros, fez com que o País perdesse a formidável oportunidade de equiparar as taxas praticadas internamente àquelas em vigor no resto do mundo. A circunstância transformou o Brasil no último peru de natal para especuladores internacionais, como gostava de dizer em tom crítico o ex-ministro Delfim Neto.

O discurso agora em voga, dando Dilma como intervencionista se comparada a Lula, vem reforçar  o caldo de cultura preparado junto a bancos internacionais por expoentes do governo Fernando Henrique Cardoso, de que Dilma pratica uma espécie de populismo econômico nocivo à sustentação do desenvolvimento do País. Imprecação que rendeu até artigo na revista The Economist no qual o periódico pede a demissão do ministro da fazenda brasileiro.

O populismo econômico é uma categoria criada pelos amigos do receituário monetarista de elevação das taxas de juros para designar todos os governos que insistem em garantir o nível de emprego, sem apelar ao aperto do crédito e à postergação de investimentos públicos, embalados na expectativa de que a confiança dos “mercados” venha substituí-los nessa tarefa quando um dia a crise internacional passar.

Ao contrário do que querem fazer crer as eminências tucanas, Dilma é uma recatada Lula de saias, que por isso mesmo não precisa dar bola a banqueiros em detrimento da lealdade devida à imensa maioria dos brasileiros. 

Daniela Mercury sapateou, e daí?







A cantora Daniela Mercury assumiu a homossexualidade e declarou que a editora do telejornal Bom Dia Brasil na Bahia, Malu Verçosa, é sua esposa. 

Deixou implícito, como justificativa do ato, o desejo de selar um protesto contra a permanência do pastor Marcos Feliciano a frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Vinculou o deputado às suas declarações porque sabe que em sentido estrito não interessa a seus admiradores de que forma vivencia sua sexualidade, se com homens, se com mulheres ou qualquer outra espécie de ser vivente.

Trazendo o evangélico à cena, a cantora conferiu nobreza ao gesto e fez passar por manifestação de coragem o que não passou de tentativa de reavivar uma imagem artística abalada pela emersão de outros talentos no nicho musical que explora. Havia tentado fazê-lo antes, dando publicidade a sucessivas adoções de crianças e casamentos heterossexuais.

A manobra midiática funcionou. Festejaram seu destemor e contribuição à causa das minorias o porta-voz dos homossexuais, deputado Jean Willis e o jornal Folha de São Paulo, que conclamou outros a seguirem o exemplo da cantora e abandonar os armários em que ocultam a sexualidade. Como se todos fôssemos gays em potencial a espera da oportunidade que nos abre a ex-musa do axé.

Mas que se ponham as coisas em seu devido lugar. A saída de Feliciano do comando da Comissão de Direitos Humanos não é uma bandeira homossexual, é uma reivindicação dos negros, dos católicos, umbandistas e de todos os cidadãos portadores de direitos inalienáveis nos termos da Constituição.

A assunção da cantora brega não pode ser politizada porque a sociedade não se coloca contra a união de pessoas do mesmo sexo. As resistências que ainda existem devem ser vencidas, como estão sendo vencidas, pela radicalização da democracia e sua consequente institucionalização no âmbito dos costumes e da família.

Alguém dirá que a publicidade ganha pelo caso contribuirá, pela exemplaridade,  com os avanços para a conquista desses objetivos. Não pensam assim os que não se deixaram levar pelos exemplos de Amy Winehouse e do compositor Chorão, vitimados pelo consumo de drogas. O que os personagens de TV fazem, fazem-no em favor ou desfavor de si próprios e não como entes exemplares cujas atitudes devam ser imitadas.

A tentativa de transformar opções pessoais em exemplos a serem seguidos não é própria das sociedades democráticas, mas de culturas dominadas pelo personalismo e pela observância de padrões modelares de conduta, do tipo dos que vigeram no Reino Unido na virada do século passado e vigem ainda na Coréia do Norte da dinastia dos Kim Jung.

Sapateie pois com quem quiser a cantora Daniela Mercury, isso definitivamente não interessa aos brasileiros.