Se faltavam provas para confirmar a instrumentalização que
se faz das concessões de rádio e TV no Brasil para propósitos de interesse das
empresas jornalísticas, essas nos são oferecidas agora com a cobertura
absolutamente desproporcional com a dimensão dos fatos feita pelas maiores
emissoras sobre o massacre perpetrado pela polícia miliar do Estado de São
Paulo no extinto presídio do Carandiru há mais de 20 anos.
As transmissões do julgamento de parte reduzida da tropa que
entrou atirando no pavilhão 9 do estabelecimento penitenciário naquele fatídico
2 de outubro de 1992 tiveram caráter laudatório, formal por assim dizer, sem os
comentários de jornalistas destacados para fazer revelar os aspectos não aparentes
dos procedimentos jurídicos em curso.
E o que foi o massacre do Carandiru? Nada menos que um
evento macabro que manchou as instituições do País junto à comunidade
internacional de direitos humanos ao longo dos 21 anos em que permaneceu
aguardando julgamento. Duas centenas de presidiários foram sumariamente
fuzilados depois de uma rebelião desfechada devido a briga de encarcerados.
Por coincidência, estive no Carandiru alguns dias antes do
motim, e do massacre que lhe seguiu, a convite do então diretor Ismael Pedrosa.
Ao lado do ex-deputado Álvaro Fraga, ouvi do diretor um relato desesperançado
sobre a falta de recursos, a impossibilidade de separação de detentos e a confissão
de que a qualquer momento “a panela de pressão iria arrebentar”.
Do lado de fora gritos e palavrões tornavam a deglutição difícil
e a refeição, feita e servida pelos próprios presos, um repasto que demorava a
terminar. Soube-se que fora ele, Pedrosa, quem acionara a PM para impedir o trágico acontecimento que informou temer naquele almoço.
Arrependeu-se do pedido de intervenção, disse-me Fraga depois,
porque o que se viu foi uma das maiores tragédias do sistema prisional
brasileiro. Mais que os 111 de mortos de que se tem notícia, porque, revelou
Pedrosa, parte considerável das vítimas fatais havia sido transportada para fora do presídio por
caminhões basculantes destinados ao transporte de lixo.
Pedrosa foi morto depois, quiçá por causa das informações
que guardava, ainda antes que também o mandante Coronel Ubiratã fosse
assassinado, ironicamente nu como aqueles a quem mandara matar.
Mas nem a morte de Pedrosa nem a morte do coronel foram
associadas ao grande massacre de que foram protagonistas e testemunhas
oculares, principalmente porque não interessou a imprensa, que se autoproclama
independente, revelar as tramas que envolveram o episódio nesses 21 anos que
se passaram.
Mas que diferença da postura adotada em relação àquele
julgamento mais recente, denominado mensalão, em que estiveram envolvidos
antagonistas da principal emissora de televisão do País, a Rede Globo.
Nesse, a cobertura foi acompanhada durante 4 meses com chamadas nos intervalos da programação, entrevistas exclusivas com especialistas e a designação de comentaristas especialmente destacados para formularem as interpretações jurídicas que a direção da emissora considerava devessem ser abraçadas pelos juízes do Supremo Tribunal Federal.
Não se interessou a Globo em tematizar o massacre do
Carandiru em razão do fato de que fazê-lo seria expor os sucessivos governos
paulistas que, apoiados pela emissora, buscaram resguardar seus oficias
militares e retardar o julgamento sistematicamente cobrado pela comunidade
internacional.
Tivesse-o feito estaria obrigada a esclarecer causas
estruturais da violência noticiada diariamente em seus telejornais, como o
surgimento da organização criminosa PCC – que se apresenta antes como
organização de apoio social a encarcerados pós Carandiru – e a política
prisional de depósito de gente seguida pelos governos estaduais, que
deu ensejo à mais acelerada disseminação dos crimes violentos em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário