sexta-feira, 27 de julho de 2012

Serra inveja Haddad na educação






Num samba canção de 1955 o compositor Ataulfo Alves, diante da maledicência dos que se sentiam incomodados com seu sucesso nas rodas de samba, desabafou dizendo que a maldade alheia era também uma arte, porém de natureza perversa.

O mote do samba “pois é, falaram tanto” vem à mente quando se considera a campanha que se faz nas redes sociais para ligar o nome de Fernando Haddad às greves nas universidades federais.

Por detrás dela estão os partidários de Serra, temerosos de que a obra do aluno dedicado que se fez ministro da educação ofusque a trajetória do professor que a frente de importantes postos de governo ignorou por completo a educação. 

Como aos detratores do sambista, incomoda os partidários do rival tucano José Serra que o jovem candidato seja identificado com a mudança de perfil dos estudantes das universidades brasileiras por meio do Pró-Uni e que a sua gestão tenha multiplicado escolas ali onde não existia até ontem senão uma olaria ou um engenho.

A marca de promotor da democratização do ensino superior, carregada por Haddad, é tão mais perturbadora aos detratores porque aparece nas eleições à prefeitura de São Paulo contraposta à de alguém que construiu sua imagem pública em torno da figura de professor sem que tenha dado ensejo a qualquer iniciativa de importância no âmbito da educação.

Ostensivamente contrário à universalização do ensino superior, Serra não mediu esforços, como governador do Estado de São Paulo, para que as grandes universidades públicas trilhassem o rumo da privatização. Como havia feito nas Universidades federais quando ministro do planejamento de Fernando Henrique Cardoso, Serra asfixiou as universidades paulistas com cortes de verbas para desarticulá-las como instituições públicas.

Confrontado com greves valeu-se da cavalaria e da tropa de choque contra estudantes e professores em substituição ao diálogo necessário às instituições do saber. Para os liberais de mercado, dentre o quais Serra é um expoente, a educação é um negócio como qualquer outro e a resistência para que prevaleça sobre ela o comando do capital deve ser vencida pela força.

Que haja greves nas universidades federais é fato que se coaduna com as pressões emergentes de um País confrontado com demandas enormes para que continue a desenvolver-se. As greves de hoje decorrem não de proposital estrangulamento orçamentário como no passado, mas do vigoroso crescimento da demanda por inversões na esteira do crescimento exponencial do número de vagas e da infraestrutura montada para suportá-las.

Haddad está sendo acusado por seus acertos pela mesma gente que no passado viu no bom samba de Ataulfo motivos para desacreditá-lo, sem que pudessem causar com a arte efêmera da maldade qualquer prejuízo ao significado  perene da sua obra.
                

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Formigas







A sonegação de impostos virou febre nacional. Não são apenas empresas de grande porte ligadas ao setor exportador que, aproveitando os estímulos proporcionados pelo governo à permanência provisória de dólares no exterior, acharam uma forma de driblar o fisco e fugir à tributação sobre o faturamento e o lucro.

Também empresas de porte médio de diferentes áreas de negócio – assessoradas por escritórios de advocacia e de contabilidade empresarial – aprenderam como conjugar as vantagens da legislação societária que facilitou a composição com empresas “offshore” (de fora do país) e o regramento menos rígido sobre a circulação de capitais entre fronteiras.

Foram movimentos distintos que confluíram para a situação de virtual descontrole legal sobre os fluxos de capitais, comandados por empresas de diferentes portes e áreas de atuação. 

Um deles tem base legislativa e decorreu da ação de lobbies empresariais que se esforçaram e conseguiram facultar a sócios estrangeiros de empresas nacionais facilidades para a transferência e guarda de recursos fora do país. Outro movimento teve origem no esforço de regulação macroeconômica que forçou as autoridades a ampliar o hiato de ingresso de capitais oriundos de operações de comércio internacional .  

O resultado desse novo estado de coisas faz do Brasil hoje a quarta economia do mundo em depósitos de pessoas físicas e jurídicas mantidos em praças financeiras de baixo ou nenhum controle de capitais, como Uruguai e Ilhas Virgens. Um montante que supera os 500 bilhões de dólares ou quase 25% do valor de tudo que é produzido no Brasil (PIB).

Os números surpreendentes, que podem soar exagerados para quem se acostumou à versão corrente de que o governo é sócio oculto e voraz de um fragilizado empresariado nacional, não nascem da máquina de calcular de qualquer nacionalista de plantão.

Resultam, ao contrário, do balizado estudo “The Price of Offshore Revisited” (uma avaliação do custo dos negócios feitos fora do país, em tradução livre) produzido pela mais renomada consultoria empresarial do mundo, a McKinsey. O estudo alerta para a enorme perda de potência que representa para a retomada das economias nacionais níveis de evasão da ordem de 1,2 Trilhão de dólares mantidos fora do controle de governos nacionais.

O problema está menos na legislação e mais no controle que exerce o governo sobre a movimentação de capitais em favor de sócios corporativos estrangeiros de empresas nacionais. Aliás, como quase tudo no Brasil, também no que tange à sonegação fiscal massiva que ocorre no país, a questão é muito mais de enforcement legal do que propriamente de remodelagem das leis e normas.

Na maioria dos casos, esses sócios estrangeiros não passam de testas de ferro a frente de empresas de fachada com sedes em países que fazem fronteira com Brasil. Um pouco mais de investigação será capaz de revelar que o controlador sediado em país vizinho é por sua vez controlado por empresas localizadas em esconderijos financeiros.

Duas pistas, portanto, deveriam seguir as autoridades para por fim a festa de transferências escusas por parte de empresas nacionais: a situação de endividamento da empresa e a eventual participação de sócios corporativos com sede fora do país, em casos em que a sociedade apresente baixo movimento de exportações.

Quando empresas sem pernas para galgar o mercado internacional começam a saltar fronteiras algo muito estranho está acontecendo. Caso o governo considere que nada deva ser feito, poderá revelar-se verdadeiro o vaticínio do naturalista francês Auguste Saint Hilaire que ainda no século XIX previu que ou o Brasil acabaria com as saúvas ou as saúvas acabariam com o Brasil.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A Volta da Rota 66

A morte deplorável do jovem empresário Aquino na madrugada fria de uma quarta feira não teve testemunhas. Nem precisava. O carro cravejado de balas e um filme de câmera de prédio dizem tudo. Aquino foi cercado e fuzilado. Sem chances de dizer quem era. Nove homens armados até os dentes contra um profissional das ideias, um publicitário.

E apenas alguém liberto pelas idéias poderia praticar o gesto ousado de fazer aquilo que está na cabeça de qualquer paulistano: ignorar os agentes homicidas de Estado que fecham com barricadas ruas em São Paulo apenas para fazer crer à população que a cidade não se tornou um pátio de presídio comandado pelo “primeiro comando da capital”, o PCC.

Como as periferias de há muito, agora também os bairros em que se reúnem os jovens em São Paulo estão cercados por gendarmes que intimidam os que frequentam bares e restaurantes.

Ao invés de guardarem os locais onde pulsa a vida paulistana, assediados por arrastões, a polícia coloca-se à espreita nas vias de saída para importunar quem tomou um ou dois copos de cerveja. Numa espécie de volta aos tempos da expressão “documento vagabundo” da época da ditadura, lembrada pelo episódio emblemático da fuzilaria da Rota 66, em que 5 jovens  foram sumariamente assassinados por não atenderem a ordem de parada de uma guarnição militar.

Mas por que os cães foram soltos? Por que a volta da política de tolerância zero que encheu de presos, primeiro as delegacias e depois os cadeiões, dando ensejo ao surgimento do PCC? Porque é época de eleições e até agora a polícia está perdendo de 3 a zero o embate com o crime organizado em São Paulo. Pensam que uma política de segurança pública do tipo daquela adotada na cidade de Nova Iorque, poderia constituir-se numa grande oportunidade eleitoral.  

Eis o que está por trás do assassinato do publicitário Aquino: a percepção das autoridades de que polícia que atira antes e pergunta depois rende votos. Ignoram, por pendão autoritário, a pregação da “oculta compensatio” que outro Aquino, São Tomás, entendeu devesse regular a ação do Estado frente a cidadania e que inspira hoje em dia, na maioria das democracias ocidentais, o princípio jurídico da bagatela.

Por esse princípio o aparelho repressivo do Estado não deveria ser utilizado para ações de mínima gravidade, em que estariam configuradas a baixa ofensividade, a inexistência de periculosidade social e o ínfimo grau de reprobabilidade da conduta, além de inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No caso de Aquino não apenas a ação que se buscou coibir foi banal como também desproporcional foi a reação estatal, expressa pela imposição sumária da pena capital mediante o uso indiscriminado de força letal pela corporação militar contra pessoa considerada suspeita, a simples juizo da soldadesca.

Que o governador venha a público num gesto de contrição afirmar que o Estado irá prontamente indenizar a família não surpreende, mas que o comandante interino da polícia militar diga em entrevista coletiva que o assassinato do homem que não parou numa blitz foi ato tecnicamente perfeito, comparável a um acidente de trabalho, enoja e mostra o quanto nossas vidas estão à mercê de gente despreparada.

Por tudo isso é que Ricardo Prudente de Aquino, 39 anos, deve ser considerado por todos os paulistanos um mártir da liberdade de ir vir, sem render-se a ação repressiva do Estado em qualquer esquina. Enquanto sua morte, em outro passo, bem pode ser tomada por um lembrete do governador e de sua polícia de que o sinal está fechado para os que são jovens, como bradou no tempo da Rota 66 o cantor Belchior.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Brasil a frente dos BRICs, diz economista da Harvard







Os economistas adeptos da visão de que se coloque maior empenho na ampliação dos fluxos de capitais do que na criação de empregos e postos de trabalho, gostam de citar parceiros estrangeiros de igual mentalidade para justificarem suas teses catastrofistas de que o Brasil haverá de afundar amanhã ou depois num mar de produtos primários inservíveis ao mundo, ao mesmo tempo em que agarrado por uma multidão de desempregados voluntários, optantes do programa bolsa família.

Esse tipo de visão tem grande acolhida nas empresas de mídia pelo notório vínculo de seus principais veículos, via anúncios pagos, com grandes bancos nacionais e internacionais que preferem ver o diabo a assistir a presidente discursando em favor de políticas industriais. Se bem lembram, no governo Fernando Henrique Cardoso a ideia de política industrial foi definitivamente conotada às ideias de intervencionismo e de atraso, tornando-se quase uma antinomia de noção de liberdade de mercado.

Mas entra crise e sai crise (esta agora é a segunda em menos de 5 anos) e já não é possível aos simpatizantes dos juros altos, que é o preço do produto vendido pelos bancos, falar abertamente contra aquilo que antes tomavam por um acinte ao capitalismo moderno: a intervenção do governo na economia com a finalidade de proteger a indústria e fomentar empregos.

Tampouco parece fácil encontrar, em relação ao Brasil, faladores internacionais que se disponham a corroborar as teses esgarçadas – e, diga-se, pouco patrióticas – dos financeiristas nativos acerca do colapso final da economia brasileira.

Ao contrário, surge aqui e acolá figuras de projeção internacional nos meios acadêmicos e empresariais que consideram estar o Brasil hoje muito melhor posicionado para enfrentar a prolongada turbulência internacional, não apenas em relação aos maiorais da América do Norte e da Europa como também em relação aos seus pares de igual estágio de desenvolvimento, a exemplo da China, Índia e Rússia.

Dan Rodrik, economista renomado da americana Harvard University, em artigo recente para o Project Sindycate – entidade de pensadores que reflete sobre a ordem internacional emergente – é um desses nomes que dá corpo a uma nova visão interpretativa sobre o lugar dos países em desenvolvimento no mundo e que veem o Brasil como em vias de deslocar-se dos chamados BRICS para alçar uma posição de vantagem sobre os países a que se refere o acrônimo e ainda sobre outro que não o integra embora o devesse, a Turquia.

Rodrik acredia que 3 atributos serão de fundamental importância no próximo período para que os países saiam mais facilmente da crise, que por todos os lados só se vê aprofundar. O primeiro é a existência de grande mercado interno que lhes permita depender cada vez menos das exportações como eixo dinâmico de suas economias.

O segundo é um baixo nível de endividamento interno, que dê aos governos espaços para a ampliação dos investimentos de forma não inflacionária e com níveis satisfatórios das taxas de juros incidentes sobre os papéis representativos da dívida pública.

O terceiro desses atributos, necessário ao bom encaminhamento dos reflexos da crise internacional nas economias nacionais, é a existência de instituições democráticas consolidadas que permitam a solução de conflitos distributivos e o estabelecimento de consensos mínimos quanto à repartição do ônus incidente sobre grupos sociais específicos, devido `as medidas de enfrentamento adotadas.

O economista julga que embora todos os países integrantes dos BRICS, inclusive Turquia, desfrutem da primeira condição (existência de grandes mercados consumidores), apenas o Brasil dispõe de todas as 3, que juntas figuram quase um seguro contra os efeitos da crise.

Além de mercado dinâmico, apto a compensar as perdas decorrentes do baixo crescimento internacional, o Brasil dispõe ainda de baixo endividamento do governo (cerca de 40% do Produto Interno – PIB) e de instituições políticas sólidas, responsáveis pela travessia de 25 anos sem sobressaltos institucionais graves. O mesmo não acontece nem com China e Rússia, que contam com regimes fechados em que o fim de uma era de abundância poderá facilmente descambar para a paralisia do Estado devido a conflitos intestinos não dirimíveis por meio de acordos políticos de maior consistência no âmbito das instituições políticas.

Muito embora mais arejados em termos do funcionamento interno, Índia e Turquia têm contra si pesados níveis de endividamento público (pelo menos o dobro do brasileiro), o que lhes tolhe a liberdade de movimento na efetivação de gastos públicos susbstitutíveis aos investimentos privados, nacionais e estrangeiros.

É por isso que Dilma Russef pode dirigir-se a mandatários de países Europeus, com os quais o Brasil mantém fortes laços econômicos, e permitir-se lições de política econômica. Quando o barco vira tem mais autoridade quem pode nadar melhor, mesmo contra a vontade de compatriotas que bem se comprazeriam com um país de afogados.