A sonegação de impostos virou febre
nacional. Não são apenas empresas de grande porte ligadas ao setor exportador
que, aproveitando os estímulos proporcionados pelo governo à permanência provisória
de dólares no exterior, acharam uma forma de driblar o fisco e fugir à
tributação sobre o faturamento e o lucro.
Também empresas de porte médio de
diferentes áreas de negócio – assessoradas por escritórios de advocacia e de
contabilidade empresarial – aprenderam como conjugar as vantagens da legislação
societária que facilitou a composição com empresas “offshore” (de fora do país)
e o regramento menos rígido sobre a circulação de capitais entre fronteiras.
Foram movimentos distintos que
confluíram para a situação de virtual descontrole legal sobre os fluxos de
capitais, comandados por empresas de diferentes portes e áreas de atuação.
Um
deles tem base legislativa e decorreu da ação de lobbies empresariais que se
esforçaram e conseguiram facultar a sócios estrangeiros de empresas nacionais
facilidades para a transferência e guarda de recursos fora do país. Outro
movimento teve origem no esforço de regulação macroeconômica que forçou as
autoridades a ampliar o hiato de ingresso de capitais oriundos de operações de comércio
internacional .
O resultado desse novo estado de
coisas faz do Brasil hoje a quarta economia do mundo em depósitos de pessoas
físicas e jurídicas mantidos em praças financeiras de baixo ou nenhum controle
de capitais, como Uruguai e Ilhas Virgens. Um montante que supera os 500
bilhões de dólares ou quase 25% do valor de tudo que é produzido no Brasil
(PIB).
Os números surpreendentes, que podem
soar exagerados para quem se acostumou à versão corrente de que o governo é
sócio oculto e voraz de um fragilizado empresariado nacional, não nascem da
máquina de calcular de qualquer nacionalista de plantão.
Resultam, ao contrário, do balizado
estudo “The Price of Offshore Revisited” (uma avaliação do custo dos negócios feitos
fora do país, em tradução livre) produzido pela mais renomada consultoria
empresarial do mundo, a McKinsey. O estudo alerta para a enorme perda de
potência que representa para a retomada das economias nacionais níveis de evasão
da ordem de 1,2 Trilhão de dólares mantidos fora do controle de governos
nacionais.
O problema está menos na legislação
e mais no controle que exerce o governo sobre a movimentação de capitais em
favor de sócios corporativos estrangeiros de empresas nacionais. Aliás, como
quase tudo no Brasil, também no que tange à sonegação fiscal massiva que ocorre
no país, a questão é muito mais de enforcement legal do que propriamente de
remodelagem das leis e normas.
Na maioria dos casos, esses sócios
estrangeiros não passam de testas de ferro a frente de empresas de fachada com
sedes em países que fazem fronteira com Brasil. Um pouco mais de investigação será
capaz de revelar que o controlador sediado em país vizinho é por sua vez
controlado por empresas localizadas em esconderijos financeiros.
Duas pistas, portanto, deveriam
seguir as autoridades para por fim a festa de transferências escusas por parte
de empresas nacionais: a situação de endividamento da empresa e a eventual participação de sócios corporativos com sede fora do país, em casos em
que a sociedade apresente baixo movimento de exportações.
Quando empresas sem pernas para galgar o mercado internacional começam a saltar fronteiras algo muito estranho
está acontecendo. Caso o governo considere que nada deva ser feito, poderá revelar-se verdadeiro o vaticínio do
naturalista francês Auguste Saint Hilaire que ainda no século XIX previu que ou o
Brasil acabaria com as saúvas ou as saúvas acabariam com o Brasil.
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