Faz pouco que o reputado jornalista Luis Nassif disse em seu
Blog que se eximiria de voltar a repercutir a polêmica envolvendo o
ex-presidente Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal caso não
surgissem fatos novos que merecessem comentários.
O motivo seria a correta percepção de que a disputa de
versões evoluía para um impasse e daí para a imobilidade de instituições
relevantes de Estado. Parece que o jornalista vai ser obrigado a voltar ao tema.
O jornal Valor Econômico acaba de publicar nova entrevista
com o juiz (íntegra abaixo) em que este não apenas envolve o ex-ministro Nelson
Jobim e o delegado aposentado da Polícia Federal Paulo Lacerda com o episódio que
vem protagonizando como também pontua em longa justificativa o caminho de suas
ligações pessoais com o senador Demóstenes Torres, em vias de cassação por seus
pares.
O interesse da entrevista está na insistência das perguntas
dirigidas ao juiz, que, pressionado a esclarecer os nexos da “ligação funcional”
mantida com o senador, perde-se e diz ter-lhe ocorrido naquele momento mesmo a percepção de que Jobim também o constrangera.
Fica patente que o propósito do gesto inusitado
do juiz – o que, aliás, lhe é indagado – foi o de buscar preservar-se contra informações que
já começam vir à público sobre suas ligações com o grupo de Cachoeira. Leia e tire
suas próprias conclusões.
Valor: Há uma versão de que o senhor teria feito uma
defesa antecipada ao relatar a conversa com Lula, para evitar o surgimento de
fatos novos na CPI.
Gilmar Mendes: Não, eu estou revelando isso já há algum tempo.
Revelei no dia que saí de lá. Revelei ao Agripino Maia, e no dia seguinte ao
Sigmaringa Seixas, que teria informado a [presidente] Dilma [Rousseff]. Eu
falei inclusive com jornalistas que vieram me contar que o presidente Lula
estava divulgando essas notícias.
Valor: O senhor não temeu que Lula e Jobim negassem essa
versão?
Mendes: Isso não tem a menor relevância.
Valor: O senhor quis se antecipar à possível divulgação de
áudios relatando conversas com Demóstenes?
Mendes: Não. Claro que o que as pessoas podem dizer... Mas
eu só posso ser responsável pelo que faço.
Valor: Por que teriam escolhido o senhor, e não outro
ministro, para esse tipo de pressão?
Mendes: Eu tenho a impressão de que alguém concebeu um
projeto de trazer o Judiciário para esse mar de corrupção. E imaginaram:
"Ele se encontrava com o Demóstenes". Mas eu me encontrava
publicamente com o Demóstenes, fui à formatura da mulher dele em Goiânia, mas
isso está estampado nos jornais. Ele esteve no aniversário da minha mulher, isso
está estampado nas colunas sociais.
Valor: O senhor viajou de São Paulo para Goiânia em avião
financiado pelo Cachoeira?
Mendes: Hoje distribuí comprovantes da minha viagem a
Berlim. Fui em viagem oficial a Granada e depois, com desdobramento de voos,
fui até Praga, e de lá fui de trem pra Berlim. Fui a Praga a passeio, me
encontrei com o Demóstenes. Eles estavam indo a Praga, e nós também, no mesmo
período de Páscoa, logo depois do evento que tive em Granada. Tem uma conversa
do Cachoeira com alguém dizendo que o Demóstenes estava chegando e pedindo um
avião, dizendo que ele estava em Berlim com o Gilmar. Mas estou inclusive com
os tíquetes e as milhas da TAM do meu voo de Guarulhos pra cá.
Valor: O senhor viajou com o senador Demóstenes em outras
ocasiões?
Mendes: Com ele não sei, eu fui a duas ocasiões a convite
dele a Goiânia. Uma vez em 2010, com o Jobim e o [ministro do STF Dias]
Toffoli, em que o senador colocou a disposição uma aeronave - imagino, de
empresas de taxi aéreo. Não me lembro qual era o evento, tivemos um jantar. E
uma outra vez para um evento de formatura da Flavinha, a esposa dele, em que
fomos Toffoli, eu, [a ministra do Superior Tribunal de Justiça] Fátima Nancy
Andrighi. Éramos paraninfos da turma. Isso foi em abril do ano passado, se não
me engano com a empresa Voar.
Valor: O senhor tem relação de amizade com Demóstenes
Torres?
Mendes: De amigo, não. Temos um relacionamento funcional,
normal, uma relação de camaradagem. Tanto é que o senador aparece falando em
uma das gravações que ele precisava deixar de ter um encontro em Goiânia com o
Cachoeira porque precisava manter proximidade com a gente, ir ao aniversário da
minha mulher.
Valor: Petistas sugeriram que o senhor teria tido contato
com Roberto Gurgel, para evitar a abertura de inquérito contra Demóstenes
Torres...
Mendes: Você consegue imaginar um absurdo maior que esse?
Que relação eu tenho para pedir ao procurador-geral que não faça isso? Veja
onde essa gente está com a cabeça. É um misto de irresponsabilidade com
despreparo. Isso não tem nada a ver com o Supremo, nem chega aqui.
Valor: Haveria uma tentativa de retaliação por parte do
ex-diretor da PF Paulo Lacerda, demitido depois que o senhor denunciou grampos
em seu gabinete?
Mendes: Não tenho a menor ideia. Lá atrás, um jornalista me
disse que setores estavam dizendo que o Paulo Lacerda teria um acerto de contas
comigo. Nessa mesma conversa agora, o Lula me perguntou se eu não achava que o
grampo tinha sido objeto de alguma articulação, se não era coisa do Cachoeira,
do Demóstenes, ou da "Veja". Eu disse: presidente, não posso saber,
acredito que não.
Valor: O nome do Paulo Lacerda foi mencionado na conversa?
Mendes: Nessa conversa, Jobim perguntou: e Paulo Lacerda?
Agora, as coisas passam a ter sentido.
Valor: Seria uma demonstração de que se tratava de
chantagem?
Mendes: Pode ser. Interpretem como quiser.
Valor: Ou seja, que o próprio Jobim participou de uma
tentativa de chantagem?
Mendes: Era uma conversa absolutamente normal, nós
repassamos vários assuntos. Nós falamos sobre o Supremo, recomposição do
Supremo, PEC da Bengala, a má articulação hoje entre o Judiciário e o
Executivo. O Jobim participou da conversa inteira. Nesse contexto, cai uma
ficha.
Valor: Que ficha caiu, de que seria uma estratégia?
Mendes: Isso é possível, vamos constrangê-lo com Paulo
Lacerda. Não sei se é isso.
Valor Econômico 30/05/2012
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