quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O caso da propaganda de lingerie



Gostamos de enxergar narrativas por detrás de qualquer coisa. O filmete de propaganda sobre roupas íntimas estrelado por Gisele Bundechen, por exemplo, dá a impressão que uma mulher bonita e inteligente fala às demais mulheres de maneira divertida sobre coisas do dia a dia das próprias mulheres: uma artimanha para lidar com o marido, um charme lançado ao caso para resolver pequenas questões da vida conjugal ou coisas assim.
Por essa razão ter sido considerada por muitos sem sentido a restrição que fez a Secretaria dos Direitos da Mulher à abordagem da propaganda. Afinal, o que tem brincar com coisas que tudo mundo sabe que existe, já que uma calcinha é algo tão importante na vida a dois?
Isso é o que nos querem fazer crer os fabricantes da lingerie e a agência de propaganda que gastaram tubos para contratar Gisele e outro tanto para veicular a peça publicitária, o que leva a um coro de concordância das empresas de comunicação que se beneficiaram com sua veiculação.
Mas sem querer dar margem a que fiquemos no plano de ser ou não ser politicamente correto os comentários acerca do filme, caberia indagar se convém, para além da questão de gênero, fazer passar como normal uma barganha de sexo por dinheiro assim de maneira tão natural, fossem os protagonistas da cena homens ou mulheres.
Quem passe pela Praça do Trianon na avenida paulista verá meninos (isso, com genitália masculina) prostituindo-se por causa de tênis e outros objetos de consumo adquiridos em compras de shopping centers de luxo no fim de semana. Quanto à prostituição feminina essa já é conhecida, tendo muitas vezes a justificá-la filhos pequenos ou familiares pobres.
Argumenta-se que a restrição pretendida à propaganda visa interferir nas relações pessoais das pessoas e criar constrangimentos a uma parcela de mulheres que efetivamente pensam como o personagem representado pela modelo.
Mas é muito mais que isso que está em questão. O que diz o filme é que é natural seduzir para conseguir dinheiro, que não há nada de errado em oferecer sexo em troca do pagamento de uma dívida.
Quem não se lembra das consequências daquela outra propaganda que pregava a desejabilidade de levar-se vantagem em tudo e que fez a cabeça de uma ou duas gerações movidas por profundo egoísmo e oportunismo no ambiente social?
A validar-se esse tipo de mensagem como referente apenas ao plano das alegorias da vida privada, sem quaisquer preocupações com seus efeitos sobre o comportamento de jovens e a atitude de grupos, não nos deveria causar surpresa então se uma criança oferecesse sexo ao primeiro adulto que encontrasse para obter um celular da moda ou coisas do tipo.
Pensaria a criança: se mamãe faz sexo por dinheiro em casa para gastar mais no cartão de crédito pago por papai, por que não poderia eu com estes meus seios recém nascidos e esta cartela de pílulas nas mãos, fazer o mesmo com o tiozinho na esquina?
Mas deixemos essas considerações para lá. Não incomodemos ao fabricante de lingeries, à agência de propaganda e as  emissoras de televisão com coisas assim... assim tão politicamente corretas.

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