Desde que o rádio invadiu os lares brasileiros em 7 de setembro de 1922 e iniciou-se a era de comunicação de massa no Brasil, a estabilidade do regime democrático em seus epsódicos períodos de existência ficou como que refém da boa vontade dos capitães das empresas de radiodifusão.
O toque de Midas conferido a essas empresas veio com o decreto de Getúlio Vargas de 1932 permitindo que as mesmas pudessem capitalizar-se por meio de anúncios pagos.
Começava então a relação carnal entre famílias detentoras de concessões públicas de comunicação e diferentes grupos políticos que controlariam o poder no País daí em diante. A leitura de discursos oficiais da revolução constitucionalista de 1932 pelo radialista César Ladeira na rádio Record, marcaria o início dessa relação mutuamente proveitosa para os parceiros.
Percebendo os riscos que um controle estritamente privado dos novos meios de comunicação poderia representar para os interesses aninhados no Estado, Getúlio Vargas encampou em 1940 a rádio Nacional para servir de porta-voz oficiosa do regime. Não demorariam a entrar no ar os grandes instrumentos de formação da opinião pública, o Repórter Esso em 1941 na Nacional e o Grande Jornal Falado Tupi em 1942 que, com nome ligeiramente mudado, permaneceu no ar até 1977.
A rádio Bandeirantes nasceria de uma manobra do ex-governador Adhemar de Barros. Após ter adquirido reservadamente a emissora, guindou ao seu controle a família Saad para que desse cobertura aos seus planos (realizados) de fazer Lucas Nogueira Garcez governador do Estado de São Paulo.
No Rio de Janeiro a veiculação do grande Jornal Fluminense, sustentado por um grupo de prefeitos, daria ensejo aos negócios da família Marinho, depois fortalecidos com a desagregação do getulismo a que o jornalista fizera oposição nos anos 50.
Com o golpe militar de 1964 e o fechamento das emissoras alinhadas à legalidade, como a Rádio Mayrink Veiga e a Rádio Nacional, é aprofundado o declínio do rádio e iniciada a ascensão da televisão como instrumento de poder e de hegemonia política.
Durante o regime militar as concessões obedeceram a critérios clientelísticos, que não foram abandonados na redemocratização. Juntou-se ao grupo das poucas famílias beneficiadas por concessões de emissoras de rádio e de televisão, políticos das diferentes esferas do poder que mantinham suas concessões ocultas em nome de parentes e de testas de ferro. Foram os interesses alinhavados nesse ambiente que permitiram à rede Globo de Televisão fazer presidente da República o proprietário de uma de suas afiliadas, o alagoano Collor de Melo.
O coronelismo eletrônico posto em prática por esse jogo de conveniências não diminuiu senão que fortaleceu-se com o fim do regime militar, uma vez que a cada embate em que estavam em xeque interesses do governo era oferecido aos grupos aliados um número maior de concessões a fim de compensar apoios em votações no Congresso.
Foi assim que no governo José Sarney foram feitas 1080 concessões de rádios e televisões. Dessas, de acordo com estudos dos pesquisadores Costa e Brener, 168 concedidas a 91 políticos com o objetivo de fazer aprovar a emenda que conferiu 5 anos de mandato àquele governante.
No governo Fernando Henrique Cardoso a prática foi mantida visando o apoio no Congresso à emenda da reeleição. No primeiro mandato de FHC foram concedidas 1848 licenças para retransmissoras de televisão, distribuídas a 268 entidades controladas por 87 políticos (Lima e Caparelli, 2004). Tais concessões foram feitas sem licitação ou apreciação pelo Congresso, visto que foram entregues mediante meras portarias baixadas pelo então ministro das comunicações Sérgio Motta.
Pelo lado do enclave empresarial de detentores de concessões, 15 famílias consolidaram seu poder sobre os meios de comunicação do país, controlando 8 principais emissoras: em âmbito nacional a família Marinho (Rede Globo), Saad (Rede Bandeirantes) e Abravanel (SBT). Em plano regional as famílias Sirotsky (RBS, no Sul), Daou (TV Amazonas, no norte), Jereissati (TV Verdes Mares, no Nordeste), Zahran (TV Centroeste, em Mato Grosso), Câmara (TV Anhanguera). A maioria das concessões locais são afiliadas às empresas dessas famílias, em particular a Marinho/Abravanel e são controladas por políticos.
O pesquisador Squirra (1999) chama essa situação de latifúndio do audiovisual, afirmando que a situação de concentração da radiodifusão no País lembra a época das Capitanias Hereditárias, já que um grupo de donatários “dividiu o espectro de canais como se fosse capitanias que, por não mudarem de mãos, tornou-se verdadeiro Tordesilhas eletrônico”.
Não bastasse o domínio que esse pequeno grupo de famílias e de políticos exerce sobre os veículos e comunicação, seu poder é ainda amplificado pelo controle que têm dos demais elos da cadeia de produção do audiovisual no País. Ao mesmo tempo em que produzem programas para televisão, detêm os meios para divulgá-los em jornais, produzir trilhas sonoras e promovê-los em jornais do país. Quem não cansou de ver e ouvir cada uma dessas emissoras falando de si mesmas nos mais diferentes meios sob seu controle?
Contribuem para esse grau de concentração tanto as sinergias produzidas pelas novas mídias que permitem maior integração entre cada um desses veículos quanto um tipo de operação em que o meio sucedente dá apoio ao antecedente, numa rede auto-alimentada de reforço mútuo. Uma espécie de Santo Graal do marketing gratuito. Os estudiosos Lima e Capelli não hesitam em afirmar que “somos o paraíso da radiodifusão desregulamentada, submetida apenas às regras de mercado e não as da cidadania”.
O resultado é que com a acoplagem do poder econômico das grandes corporações anunciantes ao poder de influência das empresas de comunicação, a mídia acabou por se tornar instrumento de opressão simbólica ao invés de instrumento plural da exposição dos múltiplos interesses presentes na sociedade democrática.
Mauro Porto em sua celebrada tese de doutorado defendida nos Estados Unidos em 2007 destaca que o funcionamento efetivo da democracia está atrelado à capacidade de deliberação dos cidadãos sobre assuntos que dizem respeito ao destino de sua comunidade e de seu País; e que essa capacidade depende do modo pelo qual os cidadãos mobilizam os conteúdos da mídia como atalhos para a compreensão dos processos políticos em que estão envolvidos.
Dá como exemplo no Brasil o Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, salientando o papel crucial que esse informativo teve, e ainda tem, na deliberação do indivíduo sobre os temas políticos sobre os quais deve a cada eleição decidir
Alerta, desse modo, para a necessidade de que se questione até que ponto os programas noticiosos postos em circulação na TV não representariam interpretações parciais dos fatos noticiados, que interferem no modo como os cidadãos compreendem e formam suas preferências a respeito de temas de interesse público.
Os resultados empíricos apresentados no referido estudo, com base em experimentos controlados levados a efeito junto a 2 grupos diferentes telespectadores, sendo um deles de controle, confirmaram objetivamente que os enquadramentos apresentados pelo Jornal Nacional interferem de forma significativa no modo pelo qual a audiência faz sentido da realidade política que a cerca.
As conclusões constituem um já bastante reverberado alerta: o conteúdo diversificado da mídia é determinante para a qualidade da democracia e pré-condição para o estabelecimento de uma opinião pública consistente e plural.
Obrigada pelo ótimo texto, estava procurando sobre as famílias que controlam a mídia e seu blog veio em primeiro lugar. Parabéns, muito bom mesmo!
ResponderExcluirExcelente postagem !
ResponderExcluirIsto é que é meter o dedo na pereba!
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