sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Os pobres nas mãos de gigolôs



Perdeu muito do que lhe restava de prestígio junto as camadas populares o Governo de São Paulo com a decisão proferida em grau do recurso pelo Tribunal de Justiça declarando inconstitucional lei que destina 25% dos leitos hospitalares da rede pública a pacientes filiados a convênios médicos.
Não se trata, como buscou-se fazer passar a iniciativa, de medida que vise ressarcir os cofres do Estado de gastos incorridos com o Sistema Único de Saúde e que deveriam estar sendo cobertos pelos Planos de Saúde privados. Tanto o Governo Federal quanto o Estadual dispõem de leis e instrumentos que permitem essa cobrança, a qual é regularmente realizada.
A iniciativa do Governo do Estado representou a tentativa de dar mais um passo em direção à privatização dos serviços de saúde, mas desta vez mediante o movimento ousado de fazer reserva de uso de equipamentos e recursos públicos para quem é titular de um contrato privado de atendimento programado de cuidados com a saúde, os convênios.
É isso que traz de flagrantemente ofensivo à Constituição do Brasil a lei estadual de reservas de leitos. Diz a Carta, a que estão sujeitas todas as unidades da Federação, que a saúde pública é um direito do cidadão e um dever prestacional do Estado, não devendo por esse motivo haver exploração privada em relação a ela, senão em caráter acessório e complementar.
A medida foi apenas mais um passo em direção ao objetivo mais amplo de privatização da saúde pelo fato de coadunar-se perfeitamente com medidas anteriores no mesmo sentido e direção.
Primeiro foi a permissão legal, repercutindo legislação de 1998 do governo FHC, de que instalações e equipamentos à disposição dos serviços de saúde pública pudessem ser operados por cooperativas de médicos, que subitamente se tornariam empresários sem terem investido um tostão para isso, cumulando, inclusive, eventuais estipêndios pagos pelo governo como professores e pesquisadores.
Depois foi a aludida permissão para que essas cooperativas não precisassem aguardar os repasses do Governo Federal provenientes da cobrança dos Convênios pelo uso do Sistema Único de Saúde, passo essencial para que aquelas ditas "organizações sociais" pudessem operar como verdadeiras empresas. Logrado isso natural que se pretenda agora assegurar-lhes reserva de leitos e de equipamentos públicos a fim de alcançarem seus desígnios capitalistas de lucratividade.
Daí a exemplaridade do caso recente de um médico que, movido por elogiável conduta ética, chamou a polícia diante da recusa da administração do próprio hospital em que trabalhava de franquear a um cidadão pobre a sala de UTI que se encontrava reservada a um paciente conveniado.
A vigorar a lei estadual se desvirtuaria a finalidade original do Sistema Público de Saúde, que é o de atender a todos sem distinção, e se substituiria com argumentos falaciosos de eficácia  o conhecido bordão de “tudo pelo social” por aquele outro mais coerente com a abjeta prática de fazer “tudo com indiferença social”.
   

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O aumento do IPI para carros importados foi correto, conclui estudo da GV



Estudos divulgados há pouco pela Fundação Getúlio Vargas mostram que, ao contrário do alarido de economistas da oposição, o Governo estava absolutamente certo quando elevou as tarifas para automóveis importados com baixo conteúdo nacional. O estudo chegou a essa conclusão comparando  a relação que as moedas da China e do Brasil mantêm com o dólar por meio das respectivas taxas de câmbio.

Enquanto sabemos que o real está bastante valorizado com relação ao dólar, o contrário se passa com o yuan (moeda chinesa). A nossa moeda está valorizada cerca de 30% em relação à americana. A moeda chinesa está desvalorizada mais ou menos 30% frente a estadunidense.

Uma coisa pela outra, não só nossas tarifas de importação ficam zeradas se considerado o nível de 30 a 35% da tarifa aduaneira vigente hoje no Brasil, como os chineses levam ainda uma vantagem de quase  35% nas suas trocas com o Brasil por causa do grau de desavalorização de sua própria moeda.

A diferença total, somando a nossa desvantagem e a vantagem deles, fica em 70 pontos a favor dos orientais. Isso significa que nossas tarifas de importação, sem a rodada recente de elevação  do impostos sobre produtos industrializados ficariam negativas em 30%.

O cálculo da GV deixa bem claro que não havia qualquer fundamento na afirmação de que a elevação do IPI representaria uma restrição ilegítima ao comércio entre os dois países. Ao contrário, já há contencioso aberto no âmbito da Organização Geral de Comércio de que eventuais diferenças a partir de 20% da paridade entre as moeda de 2 países devam ser corrigidas por mecanismos compensatórios a serem definidos. Na nosso caso, a diferença já somava 70%.

Interessante notar que o crítico mais ácido da medida de elevação do IPI foi o ex-candidato à presidência José Serra, que fêz publicar artigo de baixa repercussão na imprensa especializada relacionando o aumento da alíquota do imposto a uma suposta herança maldita legada pelo governo anterior ao atual. O que não procede sequer como discurso político dado o fato de ter sido exatamente a suposta herança que fêz possível à política de comércio exterior brasileira suportar a bucha do desequilíbrio entre as moedas por tanto tempo.

Mais incosistência foi o ex-ministro  do governo FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que considerou a compensação pretendida pelo imposto com o fechamento comercial perpretado pela ditadura militar, como se os dias de hoje pudessem ser comparados, em termos de abertura e integração do comércio internacional, com aqueles de 30 anos atrás.

Já pensaram uns caras desses chegando à Presidiencia da República. Aí sim bau-bau para indústria nacional.


Levando o Judiciário ao Pet-Shop



No momento em que se fala como nunca em corrupção no País é bastante oportuno passar em revista a situação do Judiciário brasileiro. Poder de Estado ao lado do Legislativo, representado pelo Congresso Nacional, e o Executivo que é constituído pela presidência da República, a Justiça no Brasil passou incólume por todos os progressos que se tem feito para moralizar as Instituições.
Alguns haverão de achar que de tão corriqueira a corrupção nos jornais nada aconteceu nos últimos 10 anos no sentido de restringir-lhe a intensidade. Sim, porque a corrupção como tal haverá sempre de existir sob qualquer regime, em qualquer parte do mundo. Está nas entranhas do homem, como a cobiça e a sexualidade. Mas a corrupção tanto no Legislativo quanto no Executivo diminuiu bastante nas últimas décadas. Apenas que é muito mais comentada.
No Judiciário, onde não aconteceu nem CPIs nem cassações, um número não especificado de juízes continua mantendo escritórios de advocacia em nome de filhos, genros e outros alaranjados que vendem a preços pouco módicos sentenças a facilidades a uma clientela endinheirada.
No fundo, isso que explica o porquê da Justiça brasileira ser tão seletiva quanto se trata de decidir entre réus ricos e réus pobres ou entre empresas grandes e empresas de pequeno porte, beneficiando invariavelmente aos primeiros. Depois do Lalau e do Rocha Matos, alguém se lembra de algum juiz que tenha sofrido qualquer punição?
Mas depois que se instalou o Conselho Nacional de Justiça, um Órgão de fiscalização externa composto pela própria magistratura, bastante a contragosto algumas poucas coisas pareceram mudar, como o desbragado nepotismo que ainda grassa entre os juízes. Quer ser juiz? Antes de pensar em concurso pense de casar-se com a filha de um deles.
Exatamente esse arremedo de controle que querem agora calar. A corregedora da recém-criada Instituição de tanto ser constrangida no seu dever de coibir as malandragens de juízes chegou a publicamente declarar que o meio era povoado por bandidos de toga. Para que? O Presidente do Supremo, chefão do Judiciário e pretenso semideus, exigiu que a digna senhora voltasse atrás no que disse e se retratasse publicamente.
Foi o bastante para  o País perceber a necessidade de limpar essa casa de acomodados e de venais, que ao decidirem sobre leis colocam-se eles mesmos acima delas.
É hora de limpar o Judiciário brasileiro, e haja água e sabão!

A Premiação do Metalúrgico em Paris




Lula consolida sua posição de liderança internacional. Foi na França e o evento a maior premiação acadêmica ofertada na Europa, a primeira para um latino-americano, E justamente para ele Luiz Inácio, aquele sujeito que a classe média cansou de ridicularizar e que, em particular, o príncipe dos sociólogos e descendente da estirpe de filhos de generais do exército brasileiro, FHC, expunha em rodinhas de jornalistas da Rede de Intrigas das 15 famílias brasileiras, as emissoras de TVs do País.
Quem diria, o sapo barbudo como o chamaram um dia, sendo ovacionado de pé por um auditório lotado pelos maiores acadêmicos do mundo, na França que é mais amada pelos intelectuais nativos que seu próprio País.
Deve doer demais ao sociólogo e aos carreiristas da USP aninhados no principal partido de oposição ver o metalúrgico ser alvo de elogios do tipo dos proferidos em discurso pelo representante da Instituição ofertante da honraria Richard Descoings: “o senhor tornou obrigatório que os líderes brasileiros passassem a ser ouvido sobre as principais questões do mundo...”
A dor decorre de merecido tapa na cara em quem chegou a duvidar da garra do homem comum brasileiro, trabalhador que gosta de uma cachaça e de futebol, de tomar os destinos do Brasil em suas próprias mãos e dar um “beijinho tchau tcahu” para essa elite embolorada que transita pelo circuito Jardins-Higienópolis-Campus da USP. Segue íntegra do artigo.


Aclamado, Lula recebe honoris causa em

Paris

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma recepção de pop star hoje, em Paris, durante a cerimônia de entrega do título de doutor honoris causa pelo Instituto de Estudos Políticos (Sciences-Po), o maior da França. Em seu discurso, o ex-chefe de Estado enalteceu o próprio mandato e multiplicou os conselhos aos líderes políticos da Europa, que atravessa uma forte crise econômica. Antes, durante e depois, Lula foi ovacionado por estudantes brasileiros, na mais calorosa recepção da escola desde Mikhail Gorbachev.
A cerimônia foi realizada do auditório do instituto, com a presença de acadêmicos franceses e de quatro ex-ministros de seu governo: José Dirceu, Luiz Dulci, Márcio Thomaz Bastos e Carlos Lupi. Vestido de toga, o ex-presidente chegou à sala por volta de 17h30min, acompanhado de uma batucada promovida por estudantes. Ao entrar no auditório, foi aplaudido em pé pela plateia, aos gritos de "Olé, Lula".
Em seguida, tornou-se o primeiro latino-americano a receber o título da Sciences-Po, já concedido a líderes políticos como o tcheco Vaclav Havel. Em seu discurso, o diretor do instituto, Richard Descoings, se disse "entusiasta" das conquistas obtidas pelo Brasil no mandato do petista. "O senhor lutou para que o Brasil alcançasse um novo patamar internacional", disse, completando: "Não é mais possível tratar de um assunto global sem que as autoridades brasileiras sejam consultadas".
Autor do "elogio" a Lula - o discurso em homenagem ao novo doutor -, o economista Jean-Claude Casanova, presidente da Fundação Nacional de Ciências Políticas, lamentou que a Europa não tenha um líder "de trajetória política tão iluminada". Casanova pediu ainda que Lula aproveitasse "sua viagem para dar conselhos aos europeus" sobre gestão de dívida, déficit e crescimento econômico.
Conselhos e euforia                                                                             
Lula aceitou o desafio e encarnou o conselheiro. Em um discurso de 40 minutos, citou avanços de seu governo, citando a criação de empregos, a redução da miséria, o aumento do salário mínimo e a criação do bolsa família e elogiou sua sucessora, Dilma Rousseff. "Não conheço um governo que tenha exercido a democracia como nós exercemos", afirmou, no tom ufanista que lhe é característico.
Então, lançou-se aos conselhos. Primeiro criticou "uma geração de líderes" mundiais que "passou muito tempo acreditando no mercado, em Reagan e Tatcher", e recomendou aos líderes da União Europeia que assumam as rédeas da crise com intervenções políticas, e não mais decisões econômicas. "Não é a hora de negar a política. A União Europeia é um patrimônio da humanidade", reiterou.
Na saída, estudantes cantaram a música Para não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, e se acotovelaram aos gritos por fotos e autógrafos do ex-presidente, que não falou à imprensa. Impressionado com a euforia dos estudantes, Descoings comparou, em conversa com o Estado: "A última vez que vi isso foi com Gorbachev, há cinco ou seis anos. Mas com Lula foi ainda mais caloroso".
     

Os dois velhos presos no Galeão



A Polícia Federal prendeu outro dia no Galeão um casal de idosos, com mais de 70 anos de idade, que seguia para a França carregando na bagagem cocaína misturada à camisas brancas engomadas. O crime, que é inafianciável, é punido com 15 anos de detenção.

Não há como deixar de estarrecer-se com a hipótese de dois anciãos passarem o resto de suas vidas privados da liberdade, isso depois de terem lutado pela sobrevivência anos a fio. Que motivos estariam por trás da decisão de assumir riscos cujas consequências pareceriam a qualquer um bem pior que a de por fim à própria vida, antecipando aquilo que de todo modo já estaria  bastante próximo?

Um drama por certo. Mas não comovente o bastante para arrancar ao jornalista uma linha a mais  sequer sobre uma estória a que faltam os ingredientes típicos das narrativas que se sobrepõe a um cotidiano comum e proporcionam ao leitor a sensação de viver uma existência dúplice do tipo da que se experimenta em filmes de aventura.

Mas que havia uma boa estória retesando aqueles músculos na fila de embarque, deixando um mínimo de sangue para fazer funcionar os dois cansados coracões, ah isso havia. A voz cortante dos agentes chamando à revista deve ter reverberado em cada sílaba como acordes intermináveis e as peças de roupa retiradas da valise sentidas com o arrepio do descarnar da pele amolecida  sobre os ossos. Impossível escapar à representação do tempo suspenso enquanto perdurou em reza invertida a morte que por certo desejaram e não veio.

Teriam cometido o ato de loucura em favor deles mesmos? Para comprar um carro novo, uma TV 3 D ou a próxima coleção verão? Não, seguramente não. O mais provável é que tenham feito isso por alguém, uma pessoa a quem amavam e cuja tentativa de gratificação levou-os à insanidade dessa espécie de suicídio desprovido de razão. Mas quem faria com que dois velhos, assim de modo tão inexplicável, se atirassem em tal expedição?

Um filho querido talvez, a quem nada puderam dar na infância e agora quisessem legar, numa espécie de testamento de quem não tem nada, um pouco mais que o infortúnio ancestral? A doença de alguém,  quem sabe, cuja vida pretendessem salvar? Ou o despejo da casa que os encheria de pavor com a possibilidade de serem confinados às salas de estar de asilos apenas frequentadas pelo ruído de televisores? A necessidade de uma filha desamparada, é possível, a quem pesava a mantença dos pequenos?

Nada se saberá do que levou o casal de anciãos a fim tão inógbil. A estória ficará restrita aos aspectos formais de um inquérito policial, com todo encadeamento de circunstâncias e citações tão comuns aos autos de condenação. Submergirão enfim os dois, separados e sem honra, na cela de um presídio federal. Morrerão reiteradamente cada dia, como cães devorados pela varejeira de uma expiação. Culpados e sem visitação. Que os velhos já não tem em liberdade, quanto mais na prisão.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A Cracolândia é aqui!



Parecia até que não era com a gente essa coisa da instabilidade crônica e do persistente risco do empobrecimento. Afinal nos últimos 150 anos tivemos uma mobilidade social esplêndida e a maioria de nós vive melhor hoje do que viviam nossos antepassados há não mais que um século atrás.
Passamos acreditar, e nos fizeram acreditar, que se trabalhássemos duro e pagássemos as contas em dia, vivendo com moderação e guardando algo para o futuro teríamos pela frente um caminho virtuoso em que a situação presente seria nada mais que um degrau adiante do passado recente.
Porque os mercados selecionariam os mais esforçados e meritosos, recompensando-os com o perfeito controle sobre suas próprias vidas e o seu trabalho. Essas convicções germinaram primeiramente na sociedade vitoriana inglesa do século retrasado e chegaram ao seu apogeu na década dos 80 passada, quando a idéia daquele que “se fez por si mesmo” , sem o patrocínio de heranças, estaria ao alcance de quem o pretendesse.
Afinal a queda dos muros ideológicos que separavam os que pensavam qual ordem social seria mais adequada à felicidade e ao bem-estar das populações havia deixado um único modelo estabelecido, tratando-se apenas de decidir com relação a este o grau de ajuste necessário entre espaços de ação ao livre mercado e de proteção aos menos aptos na disputa concorrencial, alguma forma de seguridade social.
E isso quando ia longe os alertas do primeiro e verdadeiro sapo barbudo, Karl Marx, que alertava a uma classe média recém chegada a uma era de afluência sobre a fluidez de tudo que a cercava, no manifesto que renderia ao mundo desde sua divulgação continuada pancadaria entre classes e grupos sociais, o Manifesto Comunista.
Errara Marx a natureza da ameaça que em 1848 lhe pareceu rondar o mundo. De lá para cá foram mais de 150 anos de prosperidade jamais imaginada por homens e mulheres ainda há 3 ou 4 gerações atrás: casa para a maioria, conveniências para todos e comida farta e barata em cada esquina, ainda que na forma de simples hot-dog.
Apenas que a idéia de segurança e prosperidade contínua a que fomos acostumados a esperar para nossas vidas já não é mais possível. O dinamismo cada vez mais veloz das forças produtivas engendradas pelo sucesso do capitalismo solapou as bases da estabilidade, que lhe garantiam o substrato ideológico responsável pela adesão dos amplos contingentes de classe média ao longo história.
A mudança tornou-se regra e o controle sobre o futuro escapou ao controle do indivíduo para nunca mais tornar. Os jovens que eram educados a prover para o futuro e a trabalhar duro, iniciam a vida endividados pela formação que tiveram de buscar para ingressar no mundo do trabalho. A mudança continuada de ocupações faz com que a transição de uma a outra delas seja coberta com os poucos fundos que sabiamente conseguem suprimir aos bares e à vida noturna.
Não há mais futuro, não há mais segurança. A casa, única reserva de riqueza que poderia reivindicar um cidadão de classe média, desvaloriza-se a cada década diante da escassez do crédito que impulsionaria o mercado para frente. O carro, a jóia, o dólar, nada mais funciona como reserva de valor, da mesma forma como deixou de funcionar uma vez o controle sobre linhas telefônicas como guarda de valores. Vai se vivendo cada dia, sem projeto de futuro e sem quaisquer certezas do que poderia ser feito para escapar à crescente precarização da vida cotidiana.
O  “homem do saco”, morador de rua com que aterrorizavam os adultos nossa infância distraída é, em estado limite, o precarizado pela instabilidade com que nos acena o futuro. O despossuído, o desenraizado, esse parece ser o paradigma de indivíduo do futuro. Um paradigma a temer, não um paradigma a ansiar.
Eis que o capitalismo engendrou sua própria doença e a fluidez de uma sociedade em permanente mobilidade interna, que Marx disse arruinaria aqueles a quem chamava de burgueses, a classe média de agora, virou fato consumado diante dos olhos.
Esperamos pela crise do dia seguinte, envolvidos em disputa  impossível de ser vencida contra um tempo que nos lança continuamente à obsolescência, matando-nos ou  de stress ou de depressão.  Ao mesmo tempo em que nossos filhos, a reprodução da força de trabalho com que contava o sistema para perpetuar-se, se detêm em qualquer  “cracolândia” dissimulada por aí.
Talvez a explicação simples mas chocante seja a de que o capitalismo hoje precise menos deles, como precisa menos de nós. Algo precisa ser feito com urgência.  




sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Fique atento: seu pestinha pode matar alguém


Para muita gente parece inconcebível que uma criança cometa um assassinato, mas embora este tipo de ocorrência criminal tenha sido rara no passado, de algumas décadas para cá passou a ser algo cada vez mais comum.
O mais famoso assassino mirim de que a história tem noticia foi Jesse Pomeroy. Um garoto de 14 anos que em 1874 ficou conhecido como o diabo de Boston, por ter torturado até a morte uma criança de 4 anos e um mês depois ter morto e mutilado uma menina de 10 anos que adentrou a loja de sua mãe. Três anos antes, com 11 anos de idade havia seviciado e decepado o pênis de 7 outras crianças entre 6 e 8 anos de idade. Após um julgamento rumoroso em que foi condenado à morte, teve a pena comutada para 40 anos em cela solitária.
Dos casos recentes, o mais chocante foi o de duas amiguinhas inglesas de 10 e 11, que em 1968 tornaram-se conhecidas como “Fanny e Faggot”, por deixarem junto aos corpos por elas estripados inscrições sob esse pseudônimo. Fizeram como vitimas 3 outras crianças menores a quem arrancavam as vísceras com navalha de barbeiro. Tinham por hábito comparecer à casas das vítimas, acompanhadas de seus pais, a fim de admirarem os cadáveres. Seus nomes verdadeiros eram Mary Flora e Nora, ambas coincidentemente com o mesmo sobrenome Bell.
Surpreendente, contudo, foi o caso ocorrido em 1998 na Flórida envolvendo o adolescente Joshua Phillips que depois de haver assassinado seu vizinho de 8 anos de idade, escondeu provisoriamente seu corpo sob a cama. Após descobrir o corpo devido a fluídos corporais que escapavam pelo carpete, sua mãe em pânico foi também brutalmente assassinada com 11 golpes de bastão de baseball.
Como todo caso de violência, crianças podem cometer assassinatos em diferentes contextos e devido a diferentes motivações. Mas excluindo disparos acidentais de armas de fogo, um número apreciável de crimes cometidos por crianças obedece, segundo especialistas, a seguinte categorização,
1-  Assassinos juvenis ou mirins: crianças que crescem em ambientes violentos e que por essa razão fazem da violência seu padrão típico de resposta, seja para defenderem-se seja para obterem aquilo que desejam;
2-  Assassinos em família: crianças que acabam assassinando membros da família de modo incidental por motivos financeiros, ódio ou para atender desejos de outros membros da família.
3-  Assassinos Cults: crianças que cometem assassinatos de colegas ou crianças menores por atos de satanismo ou como rito iniciático de gangs ou “tribos” de indivíduos que comungam de um mesmo ideário de violência;
4-  Assassinos psicopatas: crianças com transtornos mentais, que sofrem de depressão, paranóia ou esquizofrenia, exatamente como adultos;
5-  Assassinos escolares: crianças que agem em geral quando se dão conta de terem cometido algum erro, sentindo-se numa situação de confinamento em que a única saída lhes parece ser a morte. Seus atos decorrem de um processo de acumulo de raiva que culmina num surto de violência (burnout). Como os casos de crianças submetidas a bullying continuado e que acabam por disparar contra seus agressores;
6-  Assassinos situacionais: crianças cujos crimes são cometidos em situações de delinquência, como o roubo;
7-  Assassinos sexuais: crianças que assassinam outras crianças motivadas por impulsos sexuais, em geral envolvendo toques de perversidade  e mutilação;
8-  Assassinos por ódio racial ou de gênero: Crianças solitárias e deprimidas que desejam que seus sofrimentos pessoais sejam experimentados por terceiros. Em geral são também suicidas e são movidos pelo desejo de levar alguém consigo no momento do suicídio.
9-  Assassinos de filhos: Crianças pré-adolescentes que matam seus filhos a fim de evitar a desaprovação de seus próprios pais ou apenas para evitar a situação de serem obrigados, enquanto crianças, a responder pela mantença e cuidados de outras crianças. Em geral as meninas alegam depressão pós-parto.
No esforço de apontar um fundamento geral por o assassínio na infância, os psicólogos estão cada vez mais inclinados a considerar a tese de que desvios de conduta na infância tendem a descambar para sociopatias ainda nos primeiros 15 anos de vida. Esses desvios de conduta podem ser agrupados em 5 tipos básicos de comportamento, antes de evoluírem para um quadro agudo de violência fatal:
·        Transgressão de regras sociais;
·        Agressão de colegas e parentes;
·        Danos à propriedade;
·        Mentiras reiteradas;
·        Pequenos furtos.
Por sua vez, as categorias de condutas desviantes podem ser categorizadas em seis diferentes classes:
·   Transtorno de conduta: quando há um problema comportamental persistente por parte da criança no sentido e violar direito de outras crianças;
·    Transtorno de desafio e oposição: quando a criança assume continuadamente uma postura de desafio e desobediência a regras estabelecidas pelos grupos sociais em que está inserida, incluindo a resistência a autoridade de adultos. Esse traço pode ser detectado por meio da expressão de comportamento temperamental por parte da criança, contra-argumentação reiterada frente a repreensão de adultos e a visível manifestação de raiva e ressentimento a eles dirigida;
·   Transtorno de comportamento disruptivo: situação em que a criança demonstra persistente ansiedade e tendências agressivas que não se enquadram nas categorias acima, mas que causa preocupação aos responsáveis.
·    Transtrno de ajustamento combinada com desordem de conduta: quando a criança apresenta um quadro de dificuldades de ajustamento social combinado com comportamentos antisociais transcorridos ate 3 meses de um fator motivante de ordem emocional;
·    Comportamento antisocial: situação em que a criança definitivamente se isola, adotando comportamento misógino que não pode ser explicado por uma desordem mental.
Muitos desses enquadramentos têm sido associados com síndrome do déficit de atenção ou mesmo de hiperatividade, transtornos hoje considerados separadamente. Um dizendo respeito à incapacidade de focar a atenção e o outro relacionado a comportamento irrequieto e compulsivo. Enquanto a hiperatividade é considerada como não representando grandes problemas no disparo de epsódios de violência, o déficit de atenção vem sendo visto como um sinal do desenvolvimento de psicopatias ou indício da presença de um tipo de afetividade em que está ausente o sentimento de empatia ou de remorso.
Estudo conduzido pela Universidade do Oregon com 81 meninos recolhidos a internatos em razão de conduta agressiva, revelou que todos apresentaram quando mais novos desordem de conduta ou comportamento antisocial. Eram também mais propensos a psicopatias em idades mais avançadas.
Em outro estudo, este de longo prazo, ficou demonstrado que personalidades psicóticas apresentaram na infância comportamento caracerizados como sendo de agressores habituais, o que os levou na vida adulta ao cometimento de atos de maior gravidade.
Em suma, parece estar bem assentada em observações a hipótese que a detecção de psicopatias infantis é a melhor forma de prevenir comportamento antisociais na adolescência, especialmente quando se trata de meninos hiperativos, impulsivos ou que sofram de déficit de atenção.
Os aspectos mais comuns associados ao desenvolvimento de psicopatias infantis são, por ordem de importância: mães submetidas a privação física durante o desenvolvimento do feto, ausência de figura paterna, mães emocionalmente instáveis, baixo peso no nascimento e complicações de parto, reações desproporcionais a insultos ou à dor física, dificuldade de fazer contato por meio do olhar com adultos, baixa tolerância a frustrações, senso de autoestima exagerado, dificuldade de intercâmbio com outras crianças ou apego excessivo a outra criança com o mesmo perfil que o seu, crueldade dirigida aos outros, cometimento de violência contra animais, falta de remorso ou de sensibilidade com relação a terceiros e falta de empatia com amiguinhos.
Como tudo isso degenera num assassinato? É o ambiente, é sua contribuição meu amigo ou minha amiga.  
                                                                                 
Fontes: American Psichiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 1994;
Bad Boys, Bad men: confronting antisocial personality disorder, Black D. Oxford Press, 1999.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A corrupção de que ninguém fala



Talvez um dos problemas mais graves numa economia capitalista seja o da formação de cartéis. Está lá, lado a lado com o problema da corrupção. Os dois envolvem articuladamente o desvio de dinheiro do cidadão. Um o faz na sua dimensão de contribuinte, a corrupção; outro na sua condição de consumidor, os cartéis.
Para o problema da corrupção todos sabemos  o que deveria ser feito: caçar implacavelmente corruptos e corruptores (muitas vezes os próprios cartéis de empresas) e aumentar a punição para quem a pratica. No caso dos cartéis, porque a percepção do crime é mais difusa ou até inexistente dado que muitos dos acordos lesa-consumidor são realizados fora do país, há uma leniência com relação à adoção de leis rigorosas e mesmo quanto à aplicação das que já existem.
É a coisa do critério baseado em “um peso e duas medidas”. Quando alguém pula o muro do vizinho para levar-lhe o botijão de gás a fim de garantir o próprio almoço, está sujeito a uma pena de 2 a 8 anos de prisão por roubo qualificado. Quando um grupo de engarrafadoras e distribuidoras de gás decide fixar um preço para o seu produto duas ou três vezes maior que aquele justificado por suas planilhas, seus executivos são alvo de um arrastado processo administrativo que frequentemente resulta em nada ou no máximo em alguma multa de que podem recorrer “ad nauseam” às instâncias jurídicas do País.
No momento em que se fala tanto de corrupção, olhando-se apenas para a figura do agente publico, convém atentar para a ação dos cartéis e suas atividades deformadoras de resultados das licitações públicas. Está disponível a quem possa por ele se interessar estudo internacional que analisa 600 casos de práticas de cartéis por empresas multinacionais no mundo, do setor de alimentos ao automobilístico, boa parte delas aplicadas no mercado brasileiro. Consta que a Secretaria de Defesa do Consumidor vem se debruçando sobre o grosso volume. Espera-se que ações legais decorram dos crimes ali caracterizados.
Outros estudos, estes desenvolvidos no âmbito da Organização das Economias Desenvolvidas, a OCDE, mostram que os cartéis respondem pela sobrevalorização das concorrências publicas em percentuais de 10 a 20% daquilo que deveriam custar aos governos. O fato resulta em ônus transferido ao consumidor da ordem de 15% do preço pago por produtos e serviços oferecidos pelo Estado. Ou seja, se uma empresa vendeu ao governo R$100 milhões sob a ação de cartel, o prejuízo aos consumidores pode ser estimado em R$15 milhões.
Na situação de produtos adquiridos a empresas internacionais que envolvam alto componente tecnológico, como equipamentos para o metrô e a rede de trens metropolitanos comprados pelo governo paulista ao grupo francês Alstom, as implicações são presumidamente mais onerosas para o consumidor, podendo chegar a uma tarifa até 30% maior que aquela verificada na hipótese de que cartéis e corruptos não tivessem dado as mãos. Um dado, contudo, difícil de apurar com exatidão dada a complexidade dos cálculos exigidos para a determinação do carregamento do sobrepreço às tarifas.
Na ultima década, 43 países aumentaram punições para quem participa de cartéis. Os Estados Unidos, por exemplo, aumentou de 3 para 10 anos de prisão a pena para executivos de empresas envolvidas com esse tipo de prática. E as multas também cresceram. Só nesta década o governo americano arrecadou com multas a importância de US$ 4,5 bilhões de dólares.
Talvez fosse o caso dos manifestantes nas ruas voltarem seus olhos também aos afortunados corruptores, exigindo dos governos (no plural, porque comumente se esquece da existência de governos estaduais) a aplicação de penas e multas mais rigorosas e obrigando as empresas pilhadas em ilícitos de mercado à devolução dos ganhos criminosamente obtidos.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Maior jornal chinês desfaz alarido de economistas de oposição quanto aumento do IPI para carros importados



Deu no Estadão. Ao contrário do que vem bradando economistas da oposição e comentaristas da rede Globo de televisão, o categorizado porta-voz dos interesses empresariais chineses, o Daily China, em matéria intitulada “empresas são obrigadas a produzir fora” afirma que a elevação do IPI no Brasil obrigará as empresas daquele país a transferir fábricas para o Brasil.
Os chineses, campeões em defender sua própria indústria sabem que no contexto de crise são inevitáveis medidas de proteção e não pensam em dispensar as oportunidades oferecidas pelo mercado brasileiro. É o que diz o representante do escritório de investimentos do governo chinês. A íntegra da matéria abaixo



Elevação do IPI pode estimular investimentos de montadoras chinesas no País


A elevação do IPI para importação de veículos deverá estimular os investimentos de montadoras chinesas no Brasil, segundo avaliação de Wang Zhile, diretor do centro de pesquisas para corporações transnacionais, ligado ao Ministério do Comércio. "O potencial de mercado e o sucesso das exportações chinesas para o Brasil criaram uma oportunidade madura para os atores domésticos produzirem carros lá", disse Wang ao jornal oficial China Daily.

As declarações contrastam com as críticas à medida realizadas por representantes da indústria, para os quais a elevação do IPI inviabilizará os planos de investimentos das montadoras. O vice-secretário-geral da Associação de Carros de Passageiros da China, Cui Dongshu, criticou o índice de nacionalização de 65% e disse que o percentual de conteúdo local deveria ser elevado de maneira gradativa.
"Eles não deveriam adotar uma medida tão radical. Isso é um problema sério e os fabricantes chineses vão pensar antes de dar o próximo passo", disse Cui ao Estado.
Apesar da insatisfação com a medida, o representante dos fabricantes não acredita que seus associados questionarão a elevação do IPI. "Nós chineses não gostamos de briga nesse tipo de questão. Nós queremos resolver os problemas na prática." Na avaliação de Cui, a rapidez com que a decisão foi adotada coloca em xeque a credibilidade do governo brasileiro. "Se eles decidirem aumentar o percentual para 80%, o que nós vamos fazer?", perguntou.
Cui também criticou o momento em que a medida foi imposta, em meio à retração dos mercados desenvolvidos em razão da crise na Europa e Estados Unidos. "A economia global está passando por uma turbulência e nós deveríamos nos ajudar mutuamente. Qualquer medida protecionista não afeta só o país envolvido, mas todo o mundo." O tom da reportagem publicada no China Daily é menos crítico em relação à elevação do IPI. Sob o título "Fabricantes de carros chineses forçados a produzir no exterior", o texto sustenta que as medidas vão levar as montadoras a acelerarem suas decisões de estabelecer presença local com o objetivo de ganhar uma "base estável de operações no quinto maior mercado automobilístico do mundo".
O pesquisador do Ministério do Comércio classificou a medida como uma "política de industrialização por substituição de importações" e disse que ela é uma aposta para atrair investimento e tecnologia estrangeiros e encorajar joint ventures com montadoras chinesas.
O jornal oficial reproduziu declarações de Cui divergentes das dadas ao Estado. "A nova política tributária vai empurrar as montadoras chinesas a acelerarem o processo de estabelecimento de unidades de produção no Brasil, com o objetivo de evitar taxas mais elevadas", disse o representante da indústria ao China Daily.
Segundo ele, o mercado brasileiro é fundamental para o setor automobilístico chinês. "É difícil encontrar outro mercado como a América Latina", observou.
O maior exportador de carros chineses para o Brasil é a Chery, que investe US$ 400 milhões na construção de uma fábrica no país. A planta estará pronta em 2013 e terá capacidade de produzir 50 mil veículos por ano, que deverá subir gradativamente para 150 mil.C


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ninguém Durma, alerta Delfim


Não é à toa que os economistas de oposição firmam a mira em buscam almejar o velho professor Delfim Netto. O homem, do alto dos seus talvez 80 e poucos anos de idade, é portador de uma cuidade intelectual de tirar o chapéu - e talvez a própria cabeça - de quem venha avaliar a pertinência e a pertinácia de seus escritos semanais no jornal Valor Econômico.
O fato novo é que agora o radar de Delfim detecta o inelutável aprofundamento da crise internacional. Até agora havia muita palpitaria de torcida sobre o grau de afetação do Brasil pela crise, esquecida a maioria da caracterização da crise em si, em termos de sua capacidade de afetar a estabilidade macroeconômica do país.
Mas Delfim mostra, com forte dose de realismo, que a vaga vem mesmo por aí. Aponta como indícios veementes dessa factualidade a vacilação no FMI e uma quase confissão de funcionários seus franceses de que há comprometimento além do esperado sistama financeiro do país. O que é exasperante dado o peso que tem a França no sistema europeu de mercado. A Alemanha, centro da gravidade da política européia, divide-se com debandada de parte do corpo de diretores de seu banco central. Segue o artigo do professor.
Nessun Dorma...
Antonio Delfim Netto para o jornal Valor Econômico, edição de 20/09/2011

É um fato conhecido que os competentes economistas alemães representam a fina flor do mais extremo monetarismo ao qual somam uma boa dose de conservadorismo. Foram ferozmente contra as concessões (com implicações econômicas) feitas por Helmut Kohl, quando aproveitou uma janela semiaberta e teve a coragem de reunificar a Alemanha, objetivo político de longo prazo absolutamente desdenhado pelos "puristas econômicos".
Quando a Alemanha decidiu participar do euro, 150 dos seus mais reconhecidos acadêmicos publicaram um célebre manifesto contra, com bons argumentos, mas que de novo ignorava solenemente o objetivo político de longo prazo, que era a pacificação de um continente que durante os últimos mil anos foi atormentado por guerras.
Os argumentos eram respeitáveis e mostravam que o sucesso do euro dependia de um rigoroso controle da situação fiscal de cada país, preliminar para a construção de uma área monetária ótima: absoluto controle fiscal, liberdade de movimentos da mão de obra e de capitais e a cessão da emissão das moedas nacionais a um banco central autônomo, com uma nova unidade monetária, com relação à qual as taxas de câmbio de cada país seriam irrevogavelmente fixadas.
Nem o Fed, nem o BCE sabem, até agora, o que fazer
Eram contra, porque não acreditavam que os países se submeteriam a tal disciplina. Para impô-la, foi formalmente estabelecido e aprovado no acordo de Maastricht, que precedeu a introdução do euro, que: 1) nenhum país poderia ter déficit nominal superior a 3% do PIB; e 2) uma relação dívida/PIB maior do que 60%.
Por que não funcionou? Porque os governos de vários países (em particular da Grécia) mentiram, como suspeitavam os economistas alemães! Ilidiram aquelas condições com a conivência do sistema financeiro internacional e das agências de risco. Tudo veio à tona depois da "quebra" do Lehman Brothers, quando a "rede de patifarias" escondida nos derivativos tóxicos explodiu na cara dos bancos centrais, sob o nariz dos quais ela se realizara. É cada vez mais evidente que esses não se recuperaram do choque: nem o Federal Reserve dos EUA, nem o BCE da Eurolândia sabem, até agora, o que fazer.
Nos EUA, parece que começa a haver uma mudança. Mais de uma dezena de instituições financeiras, que ativamente (com a conivência das agências de risco) assaltaram os incautos aplicadores, começam a ser investigadas e, seguramente, algumas serão responsabilizadas criminalmente. Trata-se de um problema moral, que não pode mais ser escondido pelo governo Obama como foi até agora.
Tardiamente, ele propõe ao Congresso um novo pacote de estímulos para diminuir o sofrimento de 25 milhões de honestos trabalhadores (15 milhões com desemprego aberto e 10 milhões semiempregados), que acabaram desempregados com a política econômica (inspirada por distintos acadêmicos comprometidos com o sistema financeiro) que "salvou" os desonestos administradores.
Até agora, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não disse a que veio: apenas repete, repete e repete o velho refrão, "farei o que tenho de fazer". Continua indeciso sobre como atender ao seu duplo mandato: manter alto o nível de emprego e manter baixa a taxa de inflação.
O sinal de que ainda resta vida inteligente nos EUA veio num artigo no "Financial Times", do secretário do Tesouro, Tim Geithner, onde afirmou que é hora dos governos deixarem de lado a paralisia política e esquecerem os medos infundados com a inflação.
No fundo, ele está transmitindo aos bancos centrais, que continuam mesmerizados pelos seus modelitos, que a taxa de juros nominal já é nula e que a taxa de inflação está na "meta", mas a taxa de desemprego é quase o dobro da famosa Nairu (a taxa de desemprego que não acelera a inflação). Logo, é uma eficaz política fiscal que deve ser ativada.
É por isso que ele afirma que os EUA resistirão a um rápido ajuste fiscal em 2012 e recomenda a todos os países em dificuldades que façam o mesmo. Essa coordenação, se realizada, tornará mais potente e mais veloz os resultados.
No Banco Central Europeu (BCE), a situação se agrava. Enquanto Trichet aguarda sua substituição formal por Mario Draghi, os representantes alemães (diante do iminente desastre político da chanceler Merkel) abandonam o barco, alegando "razões pessoais". Primeiro foi Alex Weber (presidente do Bundesbank). Agora foi Juergen Stark, o que aperta ainda mais a "saia justa" de Merkel.
Se não bastassem esses problemas, o ministro das Finanças da Holanda, Jan Kees de Jager, sugere claramente a expulsão da Grécia, a pedido: "Quando não conseguimos respeitar as regras do jogo, devemos deixá-lo". O FMI, por sua inexperiente diretora-gerente, Christine Lagarde, lança dúvidas sobre a higidez dos bancos europeus que têm em carteira títulos gregos. Como todos sabem que ela conhece apenas os bancos franceses, produziu uma corrida sobre eles.
Parece óbvio que ninguém se entende. Tem razão o dr. Tombini. Vamos pôr nossas barbas de molho e nos proteger da provável desintegração da economia mundial.

Fisgado pela Boca





Acostumamo-nos a ver nas pessoas que se pronunciam com freqüência na mídia vergando a beca de “experts” em assuntos que não dominamos, autoridades máximas a quem devêssemos dar ouvidos mesmo pouco entendendo daquilo sobre o que discorrem.

Esse ponto de vista perigoso tem sido tônica na opinião pública durante as últimas décadas e não raro tem levado a impasses terríveis, pagos em geral por aqueles que optam pela passividade diante de um ponto de vista enviesado.

Lembro bem que minha mãe, diante de polêmica acalorada sobre a qual não entendia os fundamentos, costumava deixar a solução da pendenga aos contendores, dizendo: “vocês que são brancos que se entendam!”.

Esse tipo de postura omissa veio-me à mente ao ler artigo do professor, mas agora homem do mercado financeiro Roberto Mendonça de Barros, publicado no Jornal Valor Econômico da última 2ª feira, no qual se manifesta sobre os riscos embutidos na recente medida de elevação do IPI (imposto sobre produtos industrializados) para conter a importação de carros asiáticos sem agregação de valor em componentes nacionais.

Confessando-se de partida não identificado com medidas restritivas às importações, que considera inocente das dificuldades por que vem passando a indústria nacional, Mendonção (como era conhecido nos tempos do governo FHC) perfila percentuais referentes ao peso da indústria no PIB dos tempos da redemocratização para cá a fim de dar mostras de que a indústria vem paulatinamente perdendo importância no produto nacional. Aponta que essa participação já foi de 30% do PIB quando passaram o governo ao sucessor Lula, e que agora teria chegado a 28% do PIB sob Dilma.

Mas o propósito de Mendonça de Barros não é o de demonstrar maior apreço pela indústria por parte do governo que integrou, mas acusar o governo Dilma haver se rendido a uma política de fechamento de mercados tal qual o regime militar na primeira metade da década dos 80 , quando o peso da indústria chegou a corresponder a 50% do PIB por força de um quadro generalizado de proteção a indústria que, com justa razão, reputa como responsável pelo atraso tecnológico e a alta inflação que se verificou durante aquele decênio.

Mas aposta o professor na baixa capacidade de contextualização do leitor para avançar em seu arrazoado, pondo em comparação dois períodos que a única coisa em comum que possuem é a de terem transcorrido ao mesmo povo num mesmo lugar do mundo, o Brasil.

Para começo de conversa, no início do último quartil do século passado o fechamento do mercado era regra e não execção no mundo, porque ainda não havia se aprofundado o movimento de internacionalização de capitais e de mercados a que damos hoje o nome de globalização.

Atualmente a economia internacional, devido às forças avassaladoras da acumulação de capital, é quase que perfeitamente integrada e o grau de abertura da economia brasileira, em particular, se considerado o fluxo de comércio (soma de exportações e importações sobre o total da produção), é em linha com os maiores players do mundo (cerca de 17%).

A conta de menos que faz o professor da perda de participação relativa da indústria no PIB, imaginando a única operação de que seus leitores sejam capazes de fazer, deixa de levar em conta o fato definitivo de que em todos os países que experimentaram um processo de desenvolvimento econômico e social foi comum a perda de relevância da indústria frente o setor de serviços, devido à maior sofisticação dos mercados e ao  maior aporte de conhecimentos trazidos pelos avanços tecnológicos. Tudo isso implicando reforço do setor de serviços.

Na medida em que o professor limita a avaliação do que considera desindustrialização ao  critério da perda de representatividade da indústria no PIB, não é ocioso considerar se há de fato perda de complexidade dos fluxos de comércio do país, o que é melhor obtido pela ótica das exportações.  

Deve-se reconhecer que apesar da grande participação de produtos básicos, o Brasil encontra-se em posição intermediária quando considerada uma medida de complexidade de sua pauta de comércio.  Um produto será considerado mais complexo (mais sofisticado) quanto menos países conseguirem exportá-lo; a pauta de exportações de um país será considerada mais complexa quanto mais tipos de produtos diferentes ele conseguir exportar, e mais ainda se conseguir exportar produtos que outros não consigam.

Um país só será capaz de produzir e exportar um determinado produto somente se possuir as capacitações específicas necessárias (habilidades técnicas, instituições, máquinas, infraestrutura, matérias primas etc.). Assim, um país com uma estrutura produtiva mais diversificada demonstrará ter mais capacitações. A complexidade será associada com o conjunto de capacitações requeridas para a elaboração de um produto e disponíveis em uma economia.

Pelo uso de método de classificação baseado nesse critério é possível classificar 124 países segundo a complexidade de sua pauta de exportações; quanto menor a posição no ranking, ou seja, mais próxima à primeira posição, maior é a complexidade imputada à estrutura produtiva do país.

Apresentam pautas mais sofisticadas desde alguns dos maiores exportadores mundiais (Alemanha e EUA) até países com menor volume total de vendas (Suécia e Finlândia). No ranking de países, o Brasil situava-se na 30ª posição. Índia e China encontravam-se em posições bastante posteriores, 49ª e 50ª, respectivamente. Os últimos da amostra considerada são Camboja (124ª), Papua Nova Guiné (123ª) e Nigéria (122ª).

No que toca especificamente às medidas contingenciais de proteção a importações predatórias, maliciosamente Mendonça de Barros busca dar a elas uma dimensão que não tem. São medidas que pelo seu caráter circunstancial são impotentes para induzirem um processo de fechamento da economia ou de restringirem os efeitos anti-inflacionários das importações. Trata-se de medidas conjunturais, perfeitamente legítimas na gestão de qualquer economia em condições de crise internacional.

A verdade por trás da análise com sabor de groselha do professor é que hoje em dia não é ele nem mais professor nem economista isento. É dono de um grande escritório de consultoria econômica, a MB Associados, que tem entre os seus clientes uma vasta lista de importadores e financiadores de Blockbusters sobre 4 rodas.

Como muitos pássaros emplumados, o consultor (agora podemos dizê-lo) esconde sua verdadeira natureza de ave de rapina.
               

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Dois Fronts


Com o aprofundamento da conjuntura de crise começam a ganhar contornos mais definidos as posições dos diferentes agentes econômicos e também mais nítidas as vozes que as veiculam. De um lado, como sempre tem sido, estão os bancos e as instituições financeiras que precisam ganhar dinheiro girando recursos de nacionais e de estrangeiros em aplicações financeiras.
Daí a resistência cada vez mais evidente desses tanto à queda nas taxas de juros quanto à depreciação do real frente o dólar. Com os juros altos captam mais recursos e remuneram-se melhor com os diferenciais entre o que pagam ao aplicador e o que recebem por seus empréstimos (o chamado spread bancário); com o real valorizado faturam com as comissões recebidas das revalorizações de moeda estrangeira que entra e sai do país por causa de polpudos rendimentos financeiros.   
O Governo, como fazia Django nos antigos faroestes italianos e com legitimidade de quem enfrenta uma agressão externa, sacou de dois colts ao mesmo tempo e disparou certeiramente contra os juros e contra o câmbio. Ao primeiro abateu com calibre 0.5 e reduziu a 12 % a taxa dejuros de referência vigente no país (a Selic).

Ao segundo fustigou, com projéteis de fragmentação de IOF a 30%, as margens que vinham auferindo especuladores no mercado futuro de câmbio. Surpreendidos, bancos e agentes financeiros falharam no revide, arrastando-se ao abrigo de alguns conhecidos meios de comunicação.
Enquanto isso, no plano político Dilma, toma a iniciativa e passa por xerife poderosa com direito a capa na revista NewsWeek feita só para americanos (acontecimento único nos Estados Unidos em se tratando de dirigentes estrangeiros) e proferindo discurso histórico como primeira mulher a falar no “saloon” da Conferência Geral da ONU. Não sem antes mandar retirar de seu posto mais um de seus colaboradores acusados por uma imprensa livre de malversação de fundos públicos e mandar proteger o mercado interno da sanha de destruição de empregos nacionais por exportadores asiáticos.
Dois lances casados e perfeitos. Pelo primeiro, o das medidas econômicas, Dilma rearticula-se com os setores produtivos da nação, trabalhadores e empresários, reforçando o arsenal para fazer aprovar no Congresso as medidas que opaís precisa para de início defender-se e depois atacar no front internacional.
Pelo segundo, o das iniciativas políticas, Dilma silencia uma oposição que já tinha pouco a dizer constrangida que estava com a desmoralização das medidas liberais de abertura aos capitais internacionais que sempre sustentou e com a perda de liderança sobre um movimento de moralização da administração pública que, por lideranças na sociedade civil, prescindiu de sua intermediação.
Desse modo ficam provisoriamente imobilizados os movimentos dos  banqueiros nessa guerra de conquista, e roucos os clarins de seus lugares-tenentes na política, os quais, na contramão da história, esbravejam contra a ação de um Estado que interfira em favor dos interesses nacionais.  Para quem depende da renda do trabalho a sensação é de alívio. A nação pode prosseguir alguns passos rumo ao seu destino de um desenvolvimento mais igualitário.