quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Os dois velhos presos no Galeão



A Polícia Federal prendeu outro dia no Galeão um casal de idosos, com mais de 70 anos de idade, que seguia para a França carregando na bagagem cocaína misturada à camisas brancas engomadas. O crime, que é inafianciável, é punido com 15 anos de detenção.

Não há como deixar de estarrecer-se com a hipótese de dois anciãos passarem o resto de suas vidas privados da liberdade, isso depois de terem lutado pela sobrevivência anos a fio. Que motivos estariam por trás da decisão de assumir riscos cujas consequências pareceriam a qualquer um bem pior que a de por fim à própria vida, antecipando aquilo que de todo modo já estaria  bastante próximo?

Um drama por certo. Mas não comovente o bastante para arrancar ao jornalista uma linha a mais  sequer sobre uma estória a que faltam os ingredientes típicos das narrativas que se sobrepõe a um cotidiano comum e proporcionam ao leitor a sensação de viver uma existência dúplice do tipo da que se experimenta em filmes de aventura.

Mas que havia uma boa estória retesando aqueles músculos na fila de embarque, deixando um mínimo de sangue para fazer funcionar os dois cansados coracões, ah isso havia. A voz cortante dos agentes chamando à revista deve ter reverberado em cada sílaba como acordes intermináveis e as peças de roupa retiradas da valise sentidas com o arrepio do descarnar da pele amolecida  sobre os ossos. Impossível escapar à representação do tempo suspenso enquanto perdurou em reza invertida a morte que por certo desejaram e não veio.

Teriam cometido o ato de loucura em favor deles mesmos? Para comprar um carro novo, uma TV 3 D ou a próxima coleção verão? Não, seguramente não. O mais provável é que tenham feito isso por alguém, uma pessoa a quem amavam e cuja tentativa de gratificação levou-os à insanidade dessa espécie de suicídio desprovido de razão. Mas quem faria com que dois velhos, assim de modo tão inexplicável, se atirassem em tal expedição?

Um filho querido talvez, a quem nada puderam dar na infância e agora quisessem legar, numa espécie de testamento de quem não tem nada, um pouco mais que o infortúnio ancestral? A doença de alguém,  quem sabe, cuja vida pretendessem salvar? Ou o despejo da casa que os encheria de pavor com a possibilidade de serem confinados às salas de estar de asilos apenas frequentadas pelo ruído de televisores? A necessidade de uma filha desamparada, é possível, a quem pesava a mantença dos pequenos?

Nada se saberá do que levou o casal de anciãos a fim tão inógbil. A estória ficará restrita aos aspectos formais de um inquérito policial, com todo encadeamento de circunstâncias e citações tão comuns aos autos de condenação. Submergirão enfim os dois, separados e sem honra, na cela de um presídio federal. Morrerão reiteradamente cada dia, como cães devorados pela varejeira de uma expiação. Culpados e sem visitação. Que os velhos já não tem em liberdade, quanto mais na prisão.

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