Estamos acostumados à pobreza nos berços e à pobreza experimentada no vigor da vida, quando os corpos pequenos são guardados em favelas ou já um pouco maiores recolhem-se a um canto das ruas. Mas vá a um sepultamento nos cemitérios mais afastados da cidade e verá como a miséria e a indiferença ali também maltratam os corpos mesmo quando jazem sem vida.
Marginais circulam pelas salas de velório não permitindo às famílias chorarem seus mortos enquanto a ausência de sistemas de purificação de ar transporta pelos corredores o cheiro infame dos fluídos que começam extravasar os corpos.
Em terrenos de topografia imprópria os corpos são depositados em covas rasas enfileiradas, abertas ao longo de caminhos intransitáveis. Os prantos se misturam nesses espaços devastados sob o ruído compassado de pás recobrindo o que antes cavaram.
Onde as chuvas lavaram os montes de terra fofa ficaram depressões que ameaçam tragar quem, incauto, sobre eles venha pisar. Tudo é abandono e devastação, exceto pelas flores baratas que formam amontoados em pontos aleatórios da escarpas que constitui uma das faces do cemitério.
Nelas as pessoas se detêm dispersas enquanto fiscais de sepultamento negociam, sob o sol, o preço dos serviços oferecidos pela municipalidade: uma placa de gesso com inscrição, um pequeno recipiente em formato triangular, feito do mesmo material, para a deposição futura de velas.
As placas de grama são oferecidas como cortesia pelo oficial de apontamentos, arrancando ao filho ou ao pai entristecido um injustificado obrigado. Omite-se que o revestimento vegetal é uma necessidade para conter as águas em episódios de chuvas as quais, na sua falta, haveriam de expor definitivamente os despojos de vida ao descaso de que ali sempre padeceram.
As placas de grama são oferecidas como cortesia pelo oficial de apontamentos, arrancando ao filho ou ao pai entristecido um injustificado obrigado. Omite-se que o revestimento vegetal é uma necessidade para conter as águas em episódios de chuvas as quais, na sua falta, haveriam de expor definitivamente os despojos de vida ao descaso de que ali sempre padeceram.
Tudo isso havia no cemitério de Vila Formosa, nas vastidões não muito profundas da zona leste de São Paulo, num dia qualquer em que a cidade prosseguia com sua rotina, indiferente a dor de cada um. São 40 corpos todos os dias, 40 histórias de vida, 40 sagas de homens e mulheres simples que contribuíram com essa construção coletiva, que chamamos de comunidade, passado comum, o que for.
O desejo que se tem é de escapar correndo desse lugar de terror. Mas não se pode com a pressa desejada. Pelos caminhos estreitos outros féretros vêm em sentido oposto, com multidões curvadas pela dor. A saída só é possível depois de assistir-lhes ao desfile de feições contristadas em direção ao ponto da colina onde os coveiros as aguardam.
É esse o último e definitivo desprezo devotado aos trabalhadores desta cidade pelos que representam a administração municipal e cujos superiores tornarão a pedir os votos às mesmas pessoas humilhadas naquilo que ao fim de tudo é a única coisa que verdadeiramente possuem, a própria a dignidade.
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