Perdeu muito do que lhe restava de prestígio junto as camadas populares o Governo de São Paulo com a decisão proferida em grau do recurso pelo Tribunal de Justiça declarando inconstitucional lei que destina 25% dos leitos hospitalares da rede pública a pacientes filiados a convênios médicos.
Não se trata, como buscou-se fazer passar a iniciativa, de medida que vise ressarcir os cofres do Estado de gastos incorridos com o Sistema Único de Saúde e que deveriam estar sendo cobertos pelos Planos de Saúde privados. Tanto o Governo Federal quanto o Estadual dispõem de leis e instrumentos que permitem essa cobrança, a qual é regularmente realizada.
A iniciativa do Governo do Estado representou a tentativa de dar mais um passo em direção à privatização dos serviços de saúde, mas desta vez mediante o movimento ousado de fazer reserva de uso de equipamentos e recursos públicos para quem é titular de um contrato privado de atendimento programado de cuidados com a saúde, os convênios.
É isso que traz de flagrantemente ofensivo à Constituição do Brasil a lei estadual de reservas de leitos. Diz a Carta, a que estão sujeitas todas as unidades da Federação, que a saúde pública é um direito do cidadão e um dever prestacional do Estado, não devendo por esse motivo haver exploração privada em relação a ela, senão em caráter acessório e complementar.
A medida foi apenas mais um passo em direção ao objetivo mais amplo de privatização da saúde pelo fato de coadunar-se perfeitamente com medidas anteriores no mesmo sentido e direção.
Primeiro foi a permissão legal, repercutindo legislação de 1998 do governo FHC, de que instalações e equipamentos à disposição dos serviços de saúde pública pudessem ser operados por cooperativas de médicos, que subitamente se tornariam empresários sem terem investido um tostão para isso, cumulando, inclusive, eventuais estipêndios pagos pelo governo como professores e pesquisadores.
Depois foi a aludida permissão para que essas cooperativas não precisassem aguardar os repasses do Governo Federal provenientes da cobrança dos Convênios pelo uso do Sistema Único de Saúde, passo essencial para que aquelas ditas "organizações sociais" pudessem operar como verdadeiras empresas. Logrado isso natural que se pretenda agora assegurar-lhes reserva de leitos e de equipamentos públicos a fim de alcançarem seus desígnios capitalistas de lucratividade.
Daí a exemplaridade do caso recente de um médico que, movido por elogiável conduta ética, chamou a polícia diante da recusa da administração do próprio hospital em que trabalhava de franquear a um cidadão pobre a sala de UTI que se encontrava reservada a um paciente conveniado.
A vigorar a lei estadual se desvirtuaria a finalidade original do Sistema Público de Saúde, que é o de atender a todos sem distinção, e se substituiria com argumentos falaciosos de eficácia o conhecido bordão de “tudo pelo social” por aquele outro mais coerente com a abjeta prática de fazer “tudo com indiferença social”.
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