terça-feira, 20 de setembro de 2011

Fisgado pela Boca





Acostumamo-nos a ver nas pessoas que se pronunciam com freqüência na mídia vergando a beca de “experts” em assuntos que não dominamos, autoridades máximas a quem devêssemos dar ouvidos mesmo pouco entendendo daquilo sobre o que discorrem.

Esse ponto de vista perigoso tem sido tônica na opinião pública durante as últimas décadas e não raro tem levado a impasses terríveis, pagos em geral por aqueles que optam pela passividade diante de um ponto de vista enviesado.

Lembro bem que minha mãe, diante de polêmica acalorada sobre a qual não entendia os fundamentos, costumava deixar a solução da pendenga aos contendores, dizendo: “vocês que são brancos que se entendam!”.

Esse tipo de postura omissa veio-me à mente ao ler artigo do professor, mas agora homem do mercado financeiro Roberto Mendonça de Barros, publicado no Jornal Valor Econômico da última 2ª feira, no qual se manifesta sobre os riscos embutidos na recente medida de elevação do IPI (imposto sobre produtos industrializados) para conter a importação de carros asiáticos sem agregação de valor em componentes nacionais.

Confessando-se de partida não identificado com medidas restritivas às importações, que considera inocente das dificuldades por que vem passando a indústria nacional, Mendonção (como era conhecido nos tempos do governo FHC) perfila percentuais referentes ao peso da indústria no PIB dos tempos da redemocratização para cá a fim de dar mostras de que a indústria vem paulatinamente perdendo importância no produto nacional. Aponta que essa participação já foi de 30% do PIB quando passaram o governo ao sucessor Lula, e que agora teria chegado a 28% do PIB sob Dilma.

Mas o propósito de Mendonça de Barros não é o de demonstrar maior apreço pela indústria por parte do governo que integrou, mas acusar o governo Dilma haver se rendido a uma política de fechamento de mercados tal qual o regime militar na primeira metade da década dos 80 , quando o peso da indústria chegou a corresponder a 50% do PIB por força de um quadro generalizado de proteção a indústria que, com justa razão, reputa como responsável pelo atraso tecnológico e a alta inflação que se verificou durante aquele decênio.

Mas aposta o professor na baixa capacidade de contextualização do leitor para avançar em seu arrazoado, pondo em comparação dois períodos que a única coisa em comum que possuem é a de terem transcorrido ao mesmo povo num mesmo lugar do mundo, o Brasil.

Para começo de conversa, no início do último quartil do século passado o fechamento do mercado era regra e não execção no mundo, porque ainda não havia se aprofundado o movimento de internacionalização de capitais e de mercados a que damos hoje o nome de globalização.

Atualmente a economia internacional, devido às forças avassaladoras da acumulação de capital, é quase que perfeitamente integrada e o grau de abertura da economia brasileira, em particular, se considerado o fluxo de comércio (soma de exportações e importações sobre o total da produção), é em linha com os maiores players do mundo (cerca de 17%).

A conta de menos que faz o professor da perda de participação relativa da indústria no PIB, imaginando a única operação de que seus leitores sejam capazes de fazer, deixa de levar em conta o fato definitivo de que em todos os países que experimentaram um processo de desenvolvimento econômico e social foi comum a perda de relevância da indústria frente o setor de serviços, devido à maior sofisticação dos mercados e ao  maior aporte de conhecimentos trazidos pelos avanços tecnológicos. Tudo isso implicando reforço do setor de serviços.

Na medida em que o professor limita a avaliação do que considera desindustrialização ao  critério da perda de representatividade da indústria no PIB, não é ocioso considerar se há de fato perda de complexidade dos fluxos de comércio do país, o que é melhor obtido pela ótica das exportações.  

Deve-se reconhecer que apesar da grande participação de produtos básicos, o Brasil encontra-se em posição intermediária quando considerada uma medida de complexidade de sua pauta de comércio.  Um produto será considerado mais complexo (mais sofisticado) quanto menos países conseguirem exportá-lo; a pauta de exportações de um país será considerada mais complexa quanto mais tipos de produtos diferentes ele conseguir exportar, e mais ainda se conseguir exportar produtos que outros não consigam.

Um país só será capaz de produzir e exportar um determinado produto somente se possuir as capacitações específicas necessárias (habilidades técnicas, instituições, máquinas, infraestrutura, matérias primas etc.). Assim, um país com uma estrutura produtiva mais diversificada demonstrará ter mais capacitações. A complexidade será associada com o conjunto de capacitações requeridas para a elaboração de um produto e disponíveis em uma economia.

Pelo uso de método de classificação baseado nesse critério é possível classificar 124 países segundo a complexidade de sua pauta de exportações; quanto menor a posição no ranking, ou seja, mais próxima à primeira posição, maior é a complexidade imputada à estrutura produtiva do país.

Apresentam pautas mais sofisticadas desde alguns dos maiores exportadores mundiais (Alemanha e EUA) até países com menor volume total de vendas (Suécia e Finlândia). No ranking de países, o Brasil situava-se na 30ª posição. Índia e China encontravam-se em posições bastante posteriores, 49ª e 50ª, respectivamente. Os últimos da amostra considerada são Camboja (124ª), Papua Nova Guiné (123ª) e Nigéria (122ª).

No que toca especificamente às medidas contingenciais de proteção a importações predatórias, maliciosamente Mendonça de Barros busca dar a elas uma dimensão que não tem. São medidas que pelo seu caráter circunstancial são impotentes para induzirem um processo de fechamento da economia ou de restringirem os efeitos anti-inflacionários das importações. Trata-se de medidas conjunturais, perfeitamente legítimas na gestão de qualquer economia em condições de crise internacional.

A verdade por trás da análise com sabor de groselha do professor é que hoje em dia não é ele nem mais professor nem economista isento. É dono de um grande escritório de consultoria econômica, a MB Associados, que tem entre os seus clientes uma vasta lista de importadores e financiadores de Blockbusters sobre 4 rodas.

Como muitos pássaros emplumados, o consultor (agora podemos dizê-lo) esconde sua verdadeira natureza de ave de rapina.
               

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