quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A corrupção de que ninguém fala



Talvez um dos problemas mais graves numa economia capitalista seja o da formação de cartéis. Está lá, lado a lado com o problema da corrupção. Os dois envolvem articuladamente o desvio de dinheiro do cidadão. Um o faz na sua dimensão de contribuinte, a corrupção; outro na sua condição de consumidor, os cartéis.
Para o problema da corrupção todos sabemos  o que deveria ser feito: caçar implacavelmente corruptos e corruptores (muitas vezes os próprios cartéis de empresas) e aumentar a punição para quem a pratica. No caso dos cartéis, porque a percepção do crime é mais difusa ou até inexistente dado que muitos dos acordos lesa-consumidor são realizados fora do país, há uma leniência com relação à adoção de leis rigorosas e mesmo quanto à aplicação das que já existem.
É a coisa do critério baseado em “um peso e duas medidas”. Quando alguém pula o muro do vizinho para levar-lhe o botijão de gás a fim de garantir o próprio almoço, está sujeito a uma pena de 2 a 8 anos de prisão por roubo qualificado. Quando um grupo de engarrafadoras e distribuidoras de gás decide fixar um preço para o seu produto duas ou três vezes maior que aquele justificado por suas planilhas, seus executivos são alvo de um arrastado processo administrativo que frequentemente resulta em nada ou no máximo em alguma multa de que podem recorrer “ad nauseam” às instâncias jurídicas do País.
No momento em que se fala tanto de corrupção, olhando-se apenas para a figura do agente publico, convém atentar para a ação dos cartéis e suas atividades deformadoras de resultados das licitações públicas. Está disponível a quem possa por ele se interessar estudo internacional que analisa 600 casos de práticas de cartéis por empresas multinacionais no mundo, do setor de alimentos ao automobilístico, boa parte delas aplicadas no mercado brasileiro. Consta que a Secretaria de Defesa do Consumidor vem se debruçando sobre o grosso volume. Espera-se que ações legais decorram dos crimes ali caracterizados.
Outros estudos, estes desenvolvidos no âmbito da Organização das Economias Desenvolvidas, a OCDE, mostram que os cartéis respondem pela sobrevalorização das concorrências publicas em percentuais de 10 a 20% daquilo que deveriam custar aos governos. O fato resulta em ônus transferido ao consumidor da ordem de 15% do preço pago por produtos e serviços oferecidos pelo Estado. Ou seja, se uma empresa vendeu ao governo R$100 milhões sob a ação de cartel, o prejuízo aos consumidores pode ser estimado em R$15 milhões.
Na situação de produtos adquiridos a empresas internacionais que envolvam alto componente tecnológico, como equipamentos para o metrô e a rede de trens metropolitanos comprados pelo governo paulista ao grupo francês Alstom, as implicações são presumidamente mais onerosas para o consumidor, podendo chegar a uma tarifa até 30% maior que aquela verificada na hipótese de que cartéis e corruptos não tivessem dado as mãos. Um dado, contudo, difícil de apurar com exatidão dada a complexidade dos cálculos exigidos para a determinação do carregamento do sobrepreço às tarifas.
Na ultima década, 43 países aumentaram punições para quem participa de cartéis. Os Estados Unidos, por exemplo, aumentou de 3 para 10 anos de prisão a pena para executivos de empresas envolvidas com esse tipo de prática. E as multas também cresceram. Só nesta década o governo americano arrecadou com multas a importância de US$ 4,5 bilhões de dólares.
Talvez fosse o caso dos manifestantes nas ruas voltarem seus olhos também aos afortunados corruptores, exigindo dos governos (no plural, porque comumente se esquece da existência de governos estaduais) a aplicação de penas e multas mais rigorosas e obrigando as empresas pilhadas em ilícitos de mercado à devolução dos ganhos criminosamente obtidos.

2 comentários:

  1. interessantissimo esta abordagem da qual muitos nao chegam a se dar conta dos meandros que formam os bolsoes de desonestidade, de mau caratismo e de desmoralização que convivem na nossa sociedade, e que estes carteis e tantos outros causadores de tantos males, para mim sao a escoria, o sub-mundo da moral, e eles sim devem ser extintos completamente da sociedade brasileira.

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  2. Sabe Luiz, dias atrás comentei no meu blog, que "o governo só se mete com quem ele pode" - quando abordava o tema do aumento do IPI para os veículos importados, sob a alegação do governo em "incentivar" a indústria nacional.
    No entanto, concordo plenamente com seus estudos e concluo que preciso completar minha frase acima colocando: "o governo só se mete com quem pode e tem interesse".
    Está obviamente claro que o governo faz vistas grossas a estes cartéis e mais claro ainda a urgência que - enquanto cidadãos - precisamos nos mobilizar para cobrar mais austeridade e ética dos políticos.

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