quinta-feira, 22 de março de 2012

O livro perdido de nossas vidas


A célebre constatação de Tolstoi em Ana Karenina de que “todas as famílias felizes são iguais, as infelizes o são cada uma a sua maneira”, oferece uma chave para a compreensão do sofrimento individual em tempos de socialidade ditada pelo relacionamento virtual das redes sociais.

Nelas a dor permanece oculta aos olhos sagaz do narrador anônimo que fala em cada um, e deixa entrever uma espécie de literatura fragmentada cujos personagens ganham vida mais pelo que parecem ser e menos pelo que verdadeiramente padecem no isolamento de suas escrivaninhas.

Se a angústia foi banida do mundo da virtualidade, assim sucedeu em razão do pacto que beneficiou personagem e escritor. Este escapa à confidência de narrar o que é comum a quem escreve e a quem lê, a dor. Aquele não precisa mais expor-se à dualidade constitutiva do drama pessoal que cindi a vida em aparência e interioridade incômoda.

É desse modo que todos comungamos o gosto pela arte, expomos um sempre presente bom gosto e uma genialidade vertida à nossa própria maneira. Com alguma pesquisa ao Google o que é admirável coloca-se ao alcance da mão e tudo que basta é a simplicidade da técnica do copiar e colar, de reproduzir sem sentir e de comunicar sem falar.

Quão admiráveis somos então em nossa generosidade, em nossa capacidade de discernir o elogiável e o belo. Nessa nivelação de folhetim escapa, contudo, o essencial: a capacidade de colocar-se em confronto com o mundo e trazer à tona o que em si mesmo incomoda, tortura e machuca.

Talvez, por isso mesmo esse nosso tempo seja de bloqueio às vias de acesso ao autoconhecimento e por meio dele de transformação da realidade. Quando Tolstoi, Machado e outros escreveram delinearam as arestas que distinguia o ser da imagem qu projetava, tornando possível compreender o indivíduo pela forma de sua afetação no mundo.

Perambulamos agora pela vida sem saber se somos autênticos ou inautênticos, se criadores ou criaturas. Interrompemos uns aos outros na movimentada infovia para mostrar nossas jóias e cicatrizes, indagando, num diálogo surdo, de quem são afinal tantas marcas trazidas num corpo que já não reconhecemos como nosso. E, sem respostas plausíveis, insistimos em escrever nas páginas soltas desse livro que é nossa cara, que por brincadeira alguns chamam de "facebook".

Um comentário:

  1. Uma borboleta sonhando que é homem que está sonhando que é borboleta

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