A sociedade Globo – Folha de São Paulo expôs em editorial do jornal Valor Econômico desta segunda feira, 23 de abril de 2012, o temor que comentaristas e articulistas vem exibindo de maneira velada nos telejornais e matérias de jornais das duas empresas jornalísticas.
A preocupação é com os rumos que possam tomar a Comissão Parlamentar de Inquérito Mista instalada no Congresso para averiguar os crimes do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Um rumo orientado a acuar a oposição ao governo que, como diz o artigo, encontra-se severamente exposta com o envolvimento do senador pelo partido dos Democratas Demóstenes Torres, chamado de lobo em pele de cordeiro, e do governador tucano de Goiás Marconi Perillo.
De modo diferente do que faz nos textos produzidos para o grande público, neste, dirigido ao empresariado, o jornal de parceria do conglomerado Globo – Folha mal cita a empresa que nos demais veículos de sua propriedade é apontada como o principal alvo das investigações da CPI, a construtora Delta.
Sensível à percepção do público qualificado a que se dirige, o jornal sabe que não pode fazer descarregar sobre uma empresa privada, que por dever de ofício deve relacionar-se com governantes e políticos, toda responsabilidade por um escândalo de natureza política que tem em seu epicentro um senador e um governador. Tiveram de aceder à inteligência desse leitor, reconhecendo o dado irrefutável de que os negócios de Cachoeira objetivavam não atividades produtivas, mas ilicitudes nenhum um pouco empresariais.
Foram além, os acovardados editorialistas. Reconheceram finalmente os aspectos inéditos que cercam a constituição da CPI: o fato de ter sido subscrita por 90% de senadores e 75% de deputados assim como o fato de que a gravidade dos acontecimentos impôs ao parlamento o exercício de seu dever constitucional de investigar ameaças às Instiuições. Coisa que a mídia não tinha feito até então.
No mais, reconhecem, nisso que é um verdadeiro texto de constrição moral, a circunstância de que o governo dispõe da faca e o queijo para fatiar a oposição, desta feita pilhada em malfeito. Pedem apenas, em nome dos aliados de todos os dias, que o governo não exorbite de sua força e da razão política que lhe assiste e não pense em revanche, mas apenas “nas demandas da sociedade pela moralização da coisa pública”.
Abaixo a íntegra do pedido de armistício que a oposição dirige ao governo por meio do diário Valor Econômico.
Editorial do jornal Valor Econômico de 23/04/2012
Após marchas e contramarchas, o Congresso finalmente criou, e deve instalar nesta semana, a CPI para investigar os negócios do empresário Carlos Augusto Ramos, mais conhecido, no mundo da contravenção, como Carlinhos Cachoeira.
Trata-se de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito pouco convencional. Em primeiro lugar, porque inverteu a lógica das CPIs, em geral requisitadas pela oposição para apurar desvios de conduta do governo. Neste caso, em particular, o PT e, em certa medida, o governo, por meio de seus ministros petistas, foram, respectivamente, os principais patrocinadores e incentivadores da CPI do Cachoeira, como já é chamada a comissão mista de inquérito.
Inédito e sugestivo, também, é o apoio dos partidos: 90% dos senadores e 75% dos deputados subscreveram o requerimento para a criação de uma CPI que se tornava mais inevitável à medida que conversas telefônicas, gravadas com autorização judicial pela Polícia Federal, exibiam as vísceras do relacionamento de Carlos Cachoeira com o senador Demóstenes Torres, à época no Democratas, um lobo travestido de cordeiro que vestia com naturalidade o figurino imaculado de arauto da moralidade.
As operações da PF também chegaram bastante próximo do governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB, e colocaram no olho do furacão a empreiteira Delta Construção, uma das principais executoras de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a empresa que mais recebeu recursos do governo federal nos últimos três anos.
Diante de tantas evidências, era natural que o Congresso procurasse exercitar seu poder constitucional de fiscalização. Mas ninguém deve se iludir: o apoio quase unânime dos ilustres parlamentares à CPI deve-se mais à indignação da sociedade com o pouco caso com que a coisa pública vem sendo tratada no país do que ao interesse de expor à luz do sol traficâncias que deixam expostos os principais partidos políticos, governistas e da oposição.
Indignação cuja expressão maior é a Lei da Ficha Limpa, que veio para ficar, conforme deixam claro as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) referentes à sua aplicação nas eleições de 2010, assim como os milhares que protestaram nas ruas contra as candidaturas fichas-sujas.
A história passada das comissões de inquérito, no entanto, não recomenda otimismo. O senso comum, segundo o qual CPI "dá em nada" é mais que uma percepção, trata-se de uma realidade já medida em números pela professora Argelina Ferreira, pesquisadora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
Em dois períodos democráticos, de 1946 a 1964 e de 1988 a 1999, foram propostas a criação de 392 comissões de inquérito. A contabilidade final indica que 303 (77%) foram efetivamente instaladas, 207 concluídas e 89 (23%) nem sequer saíram do papel. Há mesmo casos em que o governo propõe CPIs apenas para se antecipar à oposição e preencher o número limite de comissões de inquérito autorizadas a funcionar no período.
Em geral, os governos conseguiram sucesso na empreitada de manter as CPIs sob controle, segundo a pesquisa de Argelina, especialmente quando utilizaram com eficácia os instrumentos institucionais a seu dispor para superar a dissenção entre os integrantes da coalizão de apoio ao inquilino de plantão no Palácio do Planalto.
Não é preciso ir longe: já no período do PT, o governo desidratou com eficiência a CPI da Petrobras, em sua parceria amplamente majoritária com o PMDB. Esta aliança também constitui o eixo de maioria governista na CPI do Cachoeira.
Resta saber se essa maioria será usada para o bem, nos termos da vontade manifesta das pessoas que assinaram a proposta da Lei da Ficha Limpa, mais de um milhão, e daquelas que protestaram nas ruas contra a corrupção, ou para enveredar pelos caminhos tortuosos do lado escuro da força. O começo não parece promissor: os partidos indicaram para compor a CPI políticos com pendências na Justiça, fichas-sujas reconhecidos que só assumiram porque a Ficha Limpa não valeu para as eleições de 2010. Mas o risco maior que ronda a CPI é de ela ser tomada pelo sentimento de revanche sinalizado pelo PT, em vez de atender às demandas da sociedade pela moralização da coisa pública.
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