“Você está destruindo nossa relação!” É essa a acusação que com frequência uma parte levanta contra outra quando o relacionamento não caminha bem. Aí costuma ser tarde demais para reverter a sucessão de fatos que levam das desavenças à desconfiança e desta ao rompimento definitivo.
A convivência entre a imprensa e os governos populares na América latina não tem escapado a esse padrão de relacionamento. Onde quer que governos progressistas tenham chegado ao poder e tenham mostrado disposição de mexer no sistema de privilégios historicamente existentes , reproduziu-se a guerra declarada dos grandes grupos de comunicação locais contra as autoridades legitimadas nas urnas.
Via de regra, esses confrontos cumpriram o papel político de caracterizar esses governos como antidemocráticos. Sendo a imprensa livre um patrimônio das sociedades que emergiram da revolução francesa, a criação de tensões nas relações entre imprensa e governos permite que se marque esses últimos como autoritários e refretários ao jogo democrático.
Estigmatizar governos como cerceadores da liberdade de expressão, na estratégia entabulada pelas forças comprometidas com a manutenção do “status quo”, cumpriu a finalidade de inscrever toda e qualquer tentativa de mudança na injusta repartição de riqueza entre classes sociais no rol das ameças difusas aos direitos de propriedade, contribuindo para a arregimentação de forças para derrubá-los, seja pelo voto ou não.
Nesse movimento deliberado para atrair apoio político de grupos desprendidos do assalariamento e identificados com o ideário das classes médias, as emissoras de TV substituiram-se aos partidos políticos conservadores na reconquista dos segmentos sociais antes atraídos pelas políticas inclusivas de governos populares.
O exemplo notório no continente desse percurso de ativismo dirigido contra governos eleitos pode ser identificado nos episódios que cercaram o apoio ao golpe militar e depois o fechamento de importante emissora de televisão durante os governos Hugo Chaves na Venezuela.
Sem que se apele à eventual simpatia por governos populista à espécie de Chaves, parece claro hoje a qualquer historiador que quando faltaram exércitos e partidos políticos para fazerem frente aos processos de mudança instaurados por governos eleitos, grupos dominantes locais interpuseram a imprensa como última trincheira de resistência às reformas econômicas que buscaram tornar mais equânime a distribuição dos ganhos obtidos nas indústrias extrativas e mineradoras locais.
Outro caso de conflito desenrola-se na vizinha Argentina onde o governo interferiu no controle que os principais grupos que o antagonizam na mídia, El Clarin e La Nacion, detinham sobre a indústria de papel-jornal, o qual vinha sendo usado para dificultar o acesso à matéria prima por parte de grupos jornalísticos alinhados ao governo.
No Brasil não se chegou a esse estágio no conflito latente que se desenrola entre governo e meios de comunicação, mas os principais grupos jornalísticos do País – Folha de ao Paulo, O Estado de São Paulo e o Globo – deram início desde meados deste ano a uma marcha da insensatez que prognostica desdobramentos preocupantes.
Estão se acumulando numa velocidade impressionante fatos que em algum momento tranbordarão o dique de cordialidade que tem impedido o rompimento desses conglomerados midiáticos com o governo sustentado pelo partidos dos trabalhadores.
Primeiro foram as revelações feitas pela mais influente figura dos últimos 30 anos na programação da TV Globo, Bonifácio Sobrinho, de que a emissora teria interferido nos resultados das eleições de 1989 por meio da manobra para que fosse anulada a vantagem detida pelo líder operário Luis Inácio da Silva sobre seu oponente Collor de Mello na primeira eleições livres do país.
Mais recentemente foi o boicote a que se submeteu o livro “Privataria Tucana”, em que é apontada manipulações promovidas nas privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso de que se beneficiaram o partido, a campanha e a família do candidato de então daquele governo, o ex-ministro José Serra.
O fato, contraposto à campanha insidiosa que vem movendo a emissora para pespegar no governo Dilma a marca da corrupção mediante a acusação contra colaboradores de primeiro escalão, teve o condão de revelar o tratamento díspare dispensado pela mídia aos escândalos protagonizados pelos seus e os que envolvem o situacionismo.
À Dilma tem sido conveniente até o momento contemporizar com a ação desestabilizadora dos veículos de comunicação, porque o desgaste tem paradoxalmente alcançado mais os partidos da base de apoio que o seu governo, por causa de uma conjuntura econômica favorável e da penetração social das novas mídias baseadas na internet.
É certo que a presidente tentará resistir ao tensionamento que a reação do PT produzirá . A tentativa de desestabilizar um dos ministros de sua cota, Fernando Pimentel, parece ter chamado a atenção da mandatária de que cachorro bravo é fiel ao seu dono e o proprietário desse cão raivoso é socialdemocracia brasileira, o PSDB, que quer apeá-la do poder já em 2014.
A tempestade está se armando sobre o horizonte político e a presidente pouco poderá fazer se a tormenta cair de uma vez, findo o bônus de carisma que lhe transferiu Lula da Silva. Quando esse momento chegar não poderá a presidente abrir mão nem do apoio que encontrou em ativistas das novas mídias nem do partido que lhe levou ao palácio do planalto no ano passado.
Aí estão já postos dois eventos que poderão roubar-lhe o chão sobre o qual equilibra a relação com seus antagonistas: uma CPI, que uma vez instalada lancetará o tumor escondido nas privatizações da era FHC, enfurecendo a ele a seus aliados na mídia; e a regulamentação do dispositivo constitucional destinado a dar maior representatividade ao modelo de exploração dos meios de comunicação, forjado pelo golpe militar de 1964.
Do jeito que a coisa vai não demorará a que a presidente tenha que optar entre a sedução dos inimigos e a lealdade dos amigos. Os primeiros, dando curso ao inefável instinto que os guia, não deixarão escolhas. Como pôde constatar Lula a duras penas naquilo que ficou conhecido como "escândalo do mensalão".
A presidente descobrirá que na guerra não há lugar para flertes com a oposição porque, já o dizia Carl Clausewitz, ela é a política por outros meios.
A presidente descobrirá que na guerra não há lugar para flertes com a oposição porque, já o dizia Carl Clausewitz, ela é a política por outros meios.
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