O que as empresas financeiras não fazem para vender! Ou melhor, o que fazem para degradar as relações humanas a fim de imputar-lhes um preço e comercializá-las em mercado!
E a velhice, desvalorizada pela glorificação midiática do corpo jovem e pelo apelo ao descarte de tudo que perdeu estilo, oferece-se como vítima preferencial dessa pregação.
A reflexão é sugerida pela propaganda de um grande banco, que vem sendo veiculada pelas emissoras de TV, em que um idoso percorre com semblante contristado as dependências do que seria um asilo, acompanhado por alguém que lhe serve de guia às instalações do lugar.
Perfilam pela câmara a sala de televisão, onde um grupo de internos queda-se silencioso diante da tela de um aparelho de TV, de modo mimetizar deliberadamente a audiência que assiste à propaganda.
Em seguida a sala de jogos, em que outro grupo movimenta, com gestos maquinais e rostos destituídos de alegria, peças sobre tabuleiros.
Por fim, o quarto reservado ao suposto interno abre-se à audiência sob o giro da maçaneta do enigmático acompanhante. Momento em que os olhos do idoso erguem-se em direção ao guia com ares ao mesmo tempo de súplica e de condenação. Enquanto isso, cenas em retrospectiva retomam um momento qualquer da vida do infeliz homem, quando podia entregar-se ao convívio dos que amava.
É nesse instante que a tensão criada pela peça de ficção é dissipada para fazer revelar que as instalações do iminente confinamento não são as de um asilo, mas as de uma “casa de repouso” legadas por quem agora se apresenta como sendo um zeloso pai, por meio da poupança de um plano de previdência privada.
Num último segmento, o pai é mostrado abandonando o lugar palco das angústias que as imagens antecedentes insinuaram. Suas expressões são de alegria, enquanto o filho lhe acena da janela. Sorte que, presume-se, não tiveram os demais internados devido à incúria dos que não adquiriram o produto do HSBC.
A peça publicitária, em que pese o glamour da produção, é abjeta. Sabe-se que o objetivo de qualquer instituição financeira não é amparar os mais velhos, mas ganhar dinheiro. Bem poderia, no entanto, o banco inglês pautar-se por um pouco mais de decência diante das famílias brasileiras, que de modo algum vêm-se diante do dilema proposto ou de abandonar seus idosos em asilos ou de financiar o sucesso daqueles que serão, no futuro, seus proprietários.
Sem qualquer surpresa para quem se acostumou ao aviltamento dos mais vulneráveis e ao projeto de cobiça desmesurada dos grandes bancos, o filme é a reiteração luminosa do quanto a mídia e seus principais anunciantes desdenham dos valores morais que dizem propagar. Pior, o quanto o coração da nossa sociedade, que não vê nada de anormal na peça, endureceu diante dos que instituem a monetização do amparo e a cotização do afeto.
Inacreditável texto, perfeito!! Parabéns! Achei que as propagandas dos grandes bancos só a mim incomodavam. Vc escreveu lindamente. Perplexa aqui.
ResponderExcluirPrezado Luiz Cezar, com prazer acompanho o seu blog e já o recomendei para grande quantidade de amigos que, como eu, encontram nele um ambiente iluminado por idéias, normalmente com as quais concordo plenamente.
ResponderExcluirNo caso específico deste comercial, no entanto, devo discordar, pois apesar de também não gostar das propagandas de bancos e lamentar o quadro geral a que o capitalismo selvagem nos trouxe, interpretei a mensagem da peça publicitária de outra forma. Eu entendi, e peço que me corrija se estiver errado, que alí se encontraram pai e filho, este último seguindo a profissão do pai e mostrando-lhe, orgulhoso, suas conquistas como médico, tendo transformado em lar para idosos o antigo casarão da família. O flash back mostra o pai e seu filho, então uma criança, brincando de uma consulta médica e o retorno ao presente mostra anbos com lágrims nos olhos e termina com um abraço. No momento, enfim, em que o velho vai embora, lança um olhar para o casarão e encontra o filho na janela.
Intenções à parte, o fato é que a peça não foi das melhores, pois deixou margem para interpretações diferentes e isso é um erro lamentável.
Um forte abraço.
Caro Luiz Antônio.
ResponderExcluirEm primeiro lugar a fineza de suas colocações é algo a elogiar. Fôssemos todos tão urbanos haveria menos dissenções. Quanto à peça publicitária, você tem razão. Como todo texto artístico (penso que a propaganda também o seja) seus sentidos são múltiplos a depender do olhar. Do ponto de vista narrativo o que você diz é o que se passa. Intuí o quu narrei, e meu texto nada mais é que um texto sobre outro texto. Como tanto parcial e incompleto. Nesse sentido é mais provável que você tenha razão, já que meu texto visava um efeito. Esse, que nos coloca agora em saudável contato. Abraços.
"... sentidos são múltiplos a depender do olhar".
ResponderExcluirMais bacana do que qualquer propaganda foi a oportunidade de observar as duas colocações... ambas interessantes e que nos levam a acreditar ainda mais na civilidade e respeito ao que o outro pensa.Abração.
Não à nossa própria degradação!
ResponderExcluirLembro-me de ter sido informado de um próspero bancário que chegou a pensar em ir para um destes locais/depósitos de pessoas que são erroneamente consideradas não mais produtivas. E, ele enquadrava a si mesmo neste critério cruel, após ser "bancariamente" adestrado nesta podre ideologia... Ele faleceu antes...
Caro Luiz Antônio.
ResponderExcluirTive uma interpretação totalmente diferente da sua.
Um grande abraço.
Erick Moura
tem um comercial da vivo que diz que há coisas mais importantes na vida que dinheiro, ora, então porque a vivo não deixa de cobrar seu serviço caro e de má qualidade e o entrega de graça?
ResponderExcluiro procon que o diga!