domingo, 14 de agosto de 2011

A Turma do Lero-Lero


Ah essas incríveis consultorias e seus subterfúgios maravilhosos...




Mal começa se consolidar uma visão mais informada sobre como dar combate a inflação sem o sacrifício diretamente proporcional das taxas de crescimento, baixando-se drasticamente a taxa Selic de juros (coisa de 2 a 3 pontos percentuais ainda neste ano) ao mesmo ritmo da cedição da inflação ditada pela queda das comodities agrominerais, e já aparece gente acenando com os riscos do efeito China sobre o desempenho das contas correntes nacionais.




Parte-se de ponderações razoáveis quanto ao peso daquele país asiático no balanço de comércio brasileiro (da ordem de 70%) para chegar-se a prognósticos catastróficos de que um ciclo perverso de desvalorização do câmbio puxado pela queda das importações chineses, bola da vez na atual crise das dívidas soberanas, precipitaria um desarranjo das contas correntes e um baque final do PIB.




Apavorante? Sem dúvida. Mas como qualquer estória contada para amedrontar também essa é composta por quadros premeditadamente arranjados de modo a que produzam o maior susto possível em leitores desavisados. Isso porque em economia tudo tem a ver com tudo, e se não se delimita com precisão as relações causais postas em movimento é bem possível ligar os mais recentes fatos econômicos com as profecias de Nostradamus.




Senão vejamos. Pregar que a China possa ser severamente afetada nesse quadro de crise equivale a insinuar que na hipótese de não serem seguidas as prescrições ortodoxas de manutenção dos juros em níveis elevados o doente poderá morrer vitimado pela natural progressão da epidemia, que deveria seguir seu curso até que organismos adaptados pudessem espontaneamente sobreviver ao mal. O alerta vem do escritório do Senhor Maílson da Nóbrega e vertido a uma linguagem menos paramentada poderia significar: "temos sobre o colo uma bomba bacteriológica que só uma longa quarentena da produção poderia desarmar".




Diga-se que a idéia de achar que a nossa felicidade vai até onde vai a felicidade dos Chineses precede o atual tensionamento dos fluxos internacionais de capitais e vem sendo reiterada desde que ficou patente que a superação do longo ciclo das restrições estruturais das contas externas brasileiras decorriam do estabelecimento de um novo arranjo da divisão internacional do trabalho entre os países centrais e periféricos, em que a complementaridade entre produção de mercadorias em larga escala e a de comodites entre nações de mercados em rápida expansão viria a constituir-se no novo eixo de um ciclo duradouro de crescimento econômico mundial.




A primeira insuficiência do argumento brandido é a de não ter em devida conta o contexto em que se opera essa interação de comércio, ela mesmo resultado e vetor de uma nova ordem capitalista ditado pela ampliação de mercados e integração ao consumo de centenas de milhões de trabalhadores em economias de desenvolvimento retardatário.




Falar nesse caso de efeito dominó é pensar que a corrente possui resistência correspondente à de cada um dos seus elos e que a sequência dos efeitos desencadeados ocorreria numa espécie de vácuo de coordenação do qual estariam ausentes os principais interesses em jogo.




A exemplo de China e Índia, as forças postas em movimento nos países de mais rápido crescimento gozam de relativa autonomia em relação à dinâmica dos países centrais figurando como atratoras de capitais produtivos em busca de maior rentabilidade.




O velho berço do capitalismo industrial agora às voltas com efeito de mais longo prazo das reformas liberais das décadas de 80 e 90 do século passado, por meio de sua revista de maior circulação, a The Economist, não enxerga mais que uma oscilação conjuntural nos mercados latino-americanos, festejando as boas políticas introduzidas nas últimas décadas pelos governantes dos respectivos países, em particular do Brasil. Extrai a uma declaração da presidente guerrilheira o termo que dá título ao artigo.




O periódico conservador reputa a melhora na qualidade das políticas implementadas ao maior rigor fiscal posto em prática e a cautela na formação de reservas. Recomenda doravante uma menor ênfase na política monetária e em seu corolário os juros altos, propugnando por um maior empenho nas reformas estruturais que, em seu entender impulsionariam o investimento público e privado para dotar o país da infraestrutura necessária a um ciclo mais prolongado e consistente de crescimento.




Nesse sentido, caberia perguntar: a que se prestaria a estória de bicho papão que começa a dominar o discurso das consultorias? A reposta é simples: a esconjurar a idéia posta em debate de aproveitar a menor pressão internacional sobre os preços para finalmente alinhar o juros internos aos do mercado externo, contendo, dessa forma, da única maneira eficaz, a enxurrada de capital especulativo em fuga dos cassinos centrais. Segue o artigo da The Economist, traduzido por este economista.





Quadro de Estremecimento




The Economist



12/08/2011







Nos últimos 2 anos os líderes políticos latinos-americanos puderam admirar o mundo com uma certa satisfação. Enquanto a Europa e os Estados Unidos eram vistos em estagnação, a América Latina desfrutava de uma vigorosa recuperação, tendo atravessado, na maior parte do tempo, a recessão sem muitos danos colaterais. Turbinada por afluxos de capitais, por cotações recordes nos preços das comodites, por políticas bem concebidas e pela consistente expansãoo do crédito doméstico, a região alcançou crescimento econômico de 6% no ano passado e que neste ano está em vias de bater na casa dos 5%.




Esta semana trouxe, no entanto, preocupações. Com o medo assaltando os mercados financeiros mundiais, as bolsas regionais e as moedas estancaram em 8 de agosto último. O índice Bovespa brasileiro despencou 8% e o real chegou a sua cotação mais baixa em 3 meses, assim como o México que se desvalorizou ao menos nível em 6 meses. Desde então os mercados permanecem cautelosos.




Assim, poderia então a recuperação da américa latina estar ameaçada? “Essa é a segunda crise que afeta o mundo e pela segunda vez o Brasil não balança”, declarou Dilma Roussef, sua presidente. “Estamos hoje numa posição muito melhor para enfrentar esta crise do que estávamos no começo de 2009 e fins de 2008”.




E de certo modo ela tem razão. As reservas internacionais da região tiveram aumento substancial desde outubro de 2008 (no caso do Brasil saltaram de 200 bi de dólares para quase 350 bi). Confrontados com o aquecimento econômico e o desconfortável fortalecimento da moeda machucando os fabricantes nacionais, os formuladores de política brasileiros e de outros países da região saudariam uma ainda que modesta depreciação de suas moedas.




Preocupa que a inflação tenha disparado na américa do sul (no Brasil foi a 6,9%, acima da meta do Banco Central). Mas Augusto De La Torre, economista chefe do Banco Mundial para a região, aponta que uma eventual desvalorização teria hoje menor impacto sobre as expectativas inflacionárias que nos anos 90. O que pode ser atribuído a credibilidade granjeada pelo formuladores da política econômica do país.




A melhor condução das economias latino-americanas tem também a ver com uma disponibilidade de recursos de política maior que a existente nos países mais ricos do mundo. Tendo passado os últimos 9 meses elevando as taxas de juros com o propósito de desaquecer a demanda, os bancos centrais põem agora reduzi-las novamente se necessário (a despeito do fato de que a inflação incomode menos que antes). Os déficites fiscais são relativamente modestos como modestas são também as margens de endividamento público (exceção feita a região do Caribe), que devem se manter na média de 32% do PIB em 2010, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina da ONU.




O principal motivo para que a américa latina permaneça calma é que a ameaça externa desta vez diferente da que se verificou em 2008. Nessa ocasião, a queda do banco Lehman Brothers deflagrou súbita paralisia dos fluxos de capitais destinados a região. Agora, a menos que o pânico venha se espalhar pela zona do euro, o receio está mais associado a um período prolongado de estagnação no mundo desenvolvido. Dois fatores respondem por esse sentimento: o primeiro é que o motor do crescimento global, em particular da américa latina, consiste na demanda chinesa por minerais, alimentos e outras matéria primas. O que parece deverá continuar; o segundo fator, é a elevação do consumo dos próprios latino-americanos na medida em que milhões emergem da miséria e passam a beneficiar-se da oportunidade recentemente adquirida de acesso ao crédito. Assim o é no México, que tendo sofrido mais que os demais latinos em 2009 e que se mostra mais vulnerável ao crescimento lento dos Estados Unidos, dispõe de uma maior abertura que outros na região para promover a expansão do crédito domestico.




Mas mesmo antes da última turbulência de mercado, esperava-se um arrefecimento das economias latino-americanas para perto de 4% ao ano. A região “está batendo no seu limite de velocidade depois de uma recuperação bastante vigorosa”, diz o Sr. De La Torre. A américa latina não dispõe de uma BMW, tem sim um Lada que esquenta muito rápido”.




Isso ocorre porque muitos dos países não investem nem poupam o bastante. Tampouco usam seus recursos de maneira eficiente. Mckinsey, uma consultoria de negócios, reconhece que entre 1991 e 2009 a produtividade do trabalho cresceu na America latina a uma taxa anual de apenas 1,4%, comparado com os 3,9% da Coréia e os 8,4% da China. A razão deste desempenho fraco incluem uma economia informal enorme e leis trabalhistas pouco flexíveis, falta de inovação das empresas e investimentos públicos insuficientes em educação e infraestrutura de transportes.





Os governos bem que poderiam fazer mais para a mudança desse quadro. Para começar, deixaram muito de suas políticas de prevenção a aquecimentos inflacionários dependerem da política monetária, jogando para cima o custo do crédito. John Welch da Macquarie capital, braço de um banco de investimento australiano, destaca que o Brasil investe só 18,5% do PIB (enquanto a China 49%) por causa da combinação de baixos níveis de poupança, altas taxas de juros e tarifas comerciais sobre insumos que tornam o investimento particularmente mais caro.




Dado o vigor da recuperação experimentada, os governos deveriam ter ajustado suas políticas fiscais mais rapidamente. O Chile foi o que foi mais longe. Graças em parte a um aumento da taxação, irá cortar seu déficite fiscal para 1,8% neste ano, apesar das despesas extraordinárias a que foi obrigado depois do terromato ocorrido no ano passado, diz Felipe Larrain, ministro das finanças. O Brasil está revertendo seu déficite este ano, no entanto programa substancial aumento de aposentadorias e vencimentos do funcionalismo para o próximo ano. Ao mesmo tempo que o setor público precisa investir mais, especialmente para elimiar o gargalo nos transportes.Mas há um obstáculo político. “Pregar ajuste fiscal em Período de abundancia não é nada fácil, por causa das demandas sociais” na America latina, admite Nicolas Eyzaguirre, o responsável do FMI para a região, que tem tentado a receita nos últimos anos.




Quanto mais os países latino-americanos adiarem as reformas estruturais de que precisam, mais reféns tornam-se do resto do mundo. O déficite conjunto em conta corrente deles sobem cada vez mais a despeito dos termos de comércio (razão entre preços de exportação e importações) terem saltado 25% desde 2005. Muitos desses países têm dissipado o bônus num explosão de consumo e importações ao invés de dirigi-los a investimentos, argumenta Neil Shearing da Capital Economics, consultoria que faz projeções de decréscimo do ritmo de expansão das economias latino-americanas para 3,5% no próximo ano e 3% em 2013.




Apesar do fortalecimento das reservas na região, seu crescimento tem sido alimentado pelo que o FMI chama de “rabo de vento” do dinheiro barato dos países ricos e preços elevados das comodites. O primeiro pode continuar por hora, mas o segundo não. Se o mercado vier a lhes infundir neste momento um senso de urgência, não terá sido em vão.



Segue um breviário da ressurgência da crise:






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