Dilma pediu decisão popular sobre a convocação de uma
Constituinte exclusiva. A proposta lançada pela presidente é nitroglicerina pura
para as acomodadas instituições do País. Para o Congresso acostumado a votar em
conta-gotas leis e emendas constitucionais que consagram proposições de grupos
minoritários da sociedade e para o Judiciário, satisfeito em extrair poder da
interpretação de preceitos contraditórios de uma Constituição crescentemente
maculada por interesses particularistas.
Como na propaganda de um veiculo utilitário lá pelos anos
1970 cujo mote para o encaminhamento de toda e qualquer tranqueira era “bota na
Kombi”, assim a carta Magna brasileira tem sido o destino final de todo o
interesse que se pretenda intocável.
Convocado pela emissora de rádio da Rede Globo, a CBN, a
opinar sobre o chamamento da presidente, o ex-ministro do Supremo Federal Ayres Brito, taxou-a de aventureira pelo fato de colocar em risco a estabilidade
jurídica advinda da Carta de 1988. Nas suas palavras “essas coisas a gente sabe
como começa e nunca sabe como termina”.
Por seu turno, antecipando-se à presidência do Congresso, a oposição
parlamentar ao governo, trombeteou alto e bom som que a proposta formulada pela
chefe do executivo é despropositada por transferir ao Congresso a
responsabilidade pela crise da instituições representativas inauguradas pelas manifestações
de ruas, já que depende dele Congresso a autorização para a convocação de
plebiscito sobre a decisão da abertura de processo constituinte.
Não tem legitimidade, no entanto, nem este nem aquele para
censurar a proposta presidencial. Não a tem o Congresso porque representado por
Renan Calheiros, notório representante das oligarquias nordestinas, homem-forte
do governo Collor e aliado de primeira hora de José Sarney, a quem deve seu
retorno à presidência do Congresso depois de haver renunciado ao mandato quase
duas décadas atrás para evitar a cassação por ofensas éticas à Casa a que
deveria servir.
Não tem legitimidade também o Supremo porque seu presidente
é chefe de um poder corrupto e responsável direto pelo colapso da administração
da justiça em nosso País, que sujeita o cidadão a uma espera de 2 anos para
assistir ao início da arbitragem de direitos em tribunais de pequena causa, nos
quais se discute uma disputa entre vizinhos. O mensalão? Cortina de fumaça para
ocultar essa ultrajante impotência do judiciário brasileiro para proporcionar
segurança jurídica ao homem comum e distribuir justiça.
Devido a essa perda súbita e irrevogável de legitimidade das
instituições e dos partidos políticos é que Dilma acerta quando propõe zerar o
jogo e devolver ao povo, por meio da convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte exclusiva, o poder de decidir sobre as questões elencadas como
relevantes à cidadania.
O poder da mídia, as regras da política, o funcionamento das
grandes cidades, os negócios religiosos, tudo, simplesmente tudo estará sob o escrutínio
nessa nova Constituinte. E aos partidos não restará outra saída senão fazer
aquilo que é o seu principal papel, a disputa ideológica em torno de propostas
para a sociedade.