Acautelem-se os brasileiros do riso fácil, tipo garoto
propaganda de pó fixador para dentaduras, do candidato do PSDB a presidente da
república Aécio Neves.
Não exatamente por aquilo que seus partidários já
fizeram quando no comando do Estado, mas pelo que dizem e anunciam os economistas
que elaboram o programa de governo do senador tucano.
Quanto a isso, ninguém foi até agora mais claro do que
faria o mineiro, se empossado dirigente máximo do País, que o professor da PUC do
Rio e ex-integrante da equipe de Fernando Henrique Cardoso, Edmar Bacha.
Antecipa-nos o professor que, uma vez presidente, o mineiro
do Leblon acabaria com todas as tarifas e restrições extra-tarifárias que limitam,
inclusive nas compras governamentais, o acesso de bens importados
ao Brasil e deixaria o comércio internacional flutuar ao sabor da taxa de
câmbio. Aquela relação entre o real e o dólar que mostra quão vantajoso é ou importar ou adquirir um produto produzido dentro das fronteiras nacionais.
Com isso – julga o sábio liberal – a indústria se
modernizaria e os preços internos cairiam por força da maior concorrência da
produção interna com importados produzidos a custo mais baixo em economias de
maior produtividade que a nossa.
Judicioso com relação às contas nacionais, prevê uma forte
procura por moeda estrangeira para realizar a mare montante de importações, que poderia ser atenuada por intermédio do estabelecimento de
bandas de flutuação do câmbio, devidamente administradas pelo governo com a
compra e venda de divisas quando fosse necessário.
Também ladino, como só o tucanos sabem ser, pensa em
negociar o leito virginal do mercado doméstico com a obtenção de reciprocidades
para nossas exportações nos países interessados em aqui aportar suas
mercadorias e serviços. Chama isso de terceiro pilar de seu plano de "modernização" da economia. O segundo seria a flutuação suja do câmbio (assistida
pelo governo) e o primeiro a fixação de uma âncora para os gastos públicos a
fim de tornar inviável qualquer política de estímulo ao produto nacional.
Faz bico de tico-tico, no entanto, nosso pensador quanto aos
efeitos de seu engenhoso tripé sobre o emprego de brasileiros. Se dissesse espantaria os incautos eleitores do candidato tucano, que pela proposta voltariam à fila do desemprego para vender a força de trabalho ao preço que estivesse disposto a pagar o empresariado nacional a fim de reagir ao assédio da indústria
estrangeira.
Sim, porque rezam os manuais de economia que o câmbio para
dar impulso à produção doméstica tem que estar apoiado numa forte compressão
dos salários, apenas possível na hipótese de aguda competição pelo emprego entre trabalhadores.
A fórmula sustentada pelo professor é a mais antipopular
possível: escancara-se a economia aos importados de modo promover-se com isso o
desemprego da força de trabalho ocupada na indústria. A desocupação forçaria, por sua
vez, a queda dos salários e dos preços permitindo assim que se chegue ao almejado
sonho de aumentar as exportações com um câmbio depreciado. Num movimento que faria do Brasil uma espécie de China às avessas, já que aquela aproveitou a mão de obra barata egressa do campo para fazer-se industrialmente competitiva enquanto nós empobreceríamos nossos trabalhadores para retomarmos um ímpeto industrial de que se diz desvanecido.
Como se percebe, uma proposta de viabilidade eleitoral duvidosa que só pode ser veiculada com omissões sobre suas implicações sociais. É preciso por isso mesmo que se avise o quanto antes à audiência que
aplaudiu Aécio Neves na festa de primeiro de maio, promovida pelos sindicalistas
da Força Sindical, que mais uma vez a mágica encenada pelos liberais no Brasil assenta-se
no sacrifício dos trabalhadores e na ampliação das desigualdades de renda, ditas sempre ardilosamente de curta duração.
Para quem aprecia idéias repetidas ou mesmo deseja tirar a teima, como se diz no jargão futebolístico, reproduzimos abaixo o artigo de Edmar Bacha publicado originalmente no jornal Valor Econômico de 9/05/2013 sob o pomposo título de "economia 2.0"
Economia 2.0
por Edmar Bacha
A economia brasileira está enferma. É isso que nos dizem os
pibinhos, a inflação alta e a desindustrialização. São sintomas da baixa
produtividade do país que tem a ver, entre outros fatores, com o atraso
tecnológico, a escala reduzida e a falta de especialização que caracterizam
nossas empresas de um modo geral. É o resultado do isolamento econômico a que o
país se impôs em relação ao comércio internacional, com exportações que
representam apenas 1,4% do total mundial. Agora que um brasileiro vai dirigir a
Organização Mundial do Comércio, é boa hora de reavaliar essa política de isolamento
e promover a integração competitiva do país à economia internacional.
Minha sugestão para essa integração é um programa
pré-anunciado, sustentado em três pilares: reforma fiscal, substituição de
tarifas por câmbio e acordos comerciais, a serem implantados de forma integrada
e progressiva ao longo de um número de anos.
O objetivo do primeiro pilar, a reforma fiscal, seria
permitir uma redução substantiva da carga tributária sobre as empresas, sem que
isso implique um aumento da já elevada dívida pública. É atrativa uma fórmula
adotada por Israel em 2010: fixar um limite superior para o crescimento dos
gastos públicos igual à metade do crescimento potencial do PIB, estimado como
sendo aquele observado nos últimos dez anos. No caso brasileiro, isso quer
dizer um crescimento dos gastos públicos em termos reais entre 1,5% e 2% ao
ano. Para reduzir o espaço de manobra para contabilidades criativas que
subestimem os aumentos dos gastos (por meio de orçamentos paralelos, por
exemplo), essa meta seria suplementada por limites também para o crescimento da
dívida pública bruta. O detalhamento desse pilar seria feito a partir de estudo
sobre os diversos componentes do gasto público e sobre as reformas necessárias
para manter sua expansão sob controle. O primeiro pilar contribuiria para
diminuir o "custo Brasil", que é o principal problema com que se
defrontam as empresas para enfrentar a concorrência internacional.
O segundo maior problema é o câmbio. Esse é o tema do
segundo pilar da proposta, a saber, a substituição da proteção tarifária contra
as importações por uma "proteção cambial". Brevemente, trata-se de
anunciar uma redução substancial, a ser implantada de forma progressiva, das
tarifas às importações, dos requisitos de conteúdo nacional, das preferências
para compras governamentais, das amarras aduaneiras e portuárias e das
especificações técnicas de produtos distintas daquelas adotadas
internacionalmente. O anúncio dessas medidas antiprotecionistas presumivelmente
será feito por um(a) presidente convicto(a) de sua necessidade e com apoio no Congresso
para sua implantação, ou seja, será um anúncio crível. Nesse caso, sob um
regime de câmbio flutuante esse anúncio terá o efeito de desvalorizar o câmbio,
pois os agentes financeiros passarão a comprar dólares e a vender reais, para
lucrar com o aumento da demanda de dólares que ocorrerá para efetuar as
importações adicionais que serão facilitadas.
Esse é o pilar central do plano, pois, dando acesso a
insumos modernos, ele possibilitará a integração da indústria brasileira ao
comércio internacional, à semelhança do que hoje ocorre com a Embraer. Haverá
ganhos tecnológicos, de escala e de especialização.
Todavia, é também o pilar mais controverso. Pois, de um
lado, estão economistas, mais confiantes na racionalidade dos mercados e
descrentes da eficácia de controles de capitais, para quem, desde que haja
flutuação livre, o câmbio saberá encontrar seu nível de equilíbrio. Bastaria,
portanto, reduzir a proteção tarifária que o câmbio se ajustaria
automaticamente. De outro lado, estão economistas descrentes da racionalidade
dos mercados financeiros e mais preocupados com os efeitos nocivos de uma
flutuação excessiva do câmbio sobre as decisões empresariais quanto a
investimentos de longo prazo. Esses economistas defenderiam a adoção de uma
taxa de câmbio fixa mais desvalorizada, associada a controles severos sobre os
movimentos de capitais.
Minha preferência é por um meio termo entre essas duas
posições, envolvendo, em primeiro lugar, um estudo sobre qual seria a taxa de
câmbio que equilibraria a balança comercial na ausência das medidas
protecionistas que vão ser eliminadas. Essa seria a taxa de câmbio de
referência para a definição de uma banda de variação cambial. Nos primeiros
tempos, a banda seria mais estreita, mas ela seria progressivamente ampliada ao
longo do tempo. Os limites dessa banda orientariam o Banco Central (BC) em suas
intervenções no mercado, comprando ou vendendo reservas internacionais. Tais
intervenções seriam acompanhadas por medidas macroprudenciais que parecerem
pertinentes ao BC, para compensar os exageros, seja de otimismo ou pessimismo
no mercado de câmbio. Dadas as incertezas envolvidas numa mudança estrutural da
magnitude daquela aqui proposta, tanto a taxa de referência como a banda em
torno dela seriam informação privilegiada do BC que delas daria notícia somente
pelo padrão de intervenções no câmbio.
O terceiro pilar são os acordos comerciais internacionais.
Dado o amplo mercado interno que abrirá às exportações dos demais países do
mundo, o Brasil estará em condições de fazer negociações vantajosas para a
abertura compensatória dos mercados de seus parceiros comerciais. O leque de
possibilidades é amplo, envolvendo acordos multilaterais, regionais e
bilaterais. O certo é que o país necessitará de liberdade de movimentos e, portanto,
se não conseguir agregar a Argentina a esse projeto, seria o caso de
transformar o Mercosul numa área de livre-comércio, preservados os
entendimentos estratégicos em vigor na área da defesa. Outra questão a ser
analisada é o sequenciamento entre a abertura unilateral e aquela negociada nos
acordos. Na definição dessa sequência, não se poderá perder de vista que a
troca das tarifas pelo câmbio é uma vantagem em si para o país. Os ganhos
comerciais que vierem dos acordos serão adicionais àqueles propiciados por essa
política de alocação mais eficiente dos recursos na economia brasileira.