quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Ricos deserdam velha classe média








Atacar o governo Dilma não tem sido tarefa fácil para os setores médios mais tradicionais da sociedade brasileira. Se por um lado sentem que não desfrutam mais de privilégios exclusivos de classe – como aeroportos vazios ou a posse distinguida de automóveis – e que os empregos melhor remunerados num futuro próximo já não lhe são antecipadamente assegurados, por outro percebem que a critica mais acerba ao governo que lhes restringiu o prestigio social  pouco repercute. E isso lhes enche de ódio.


Foi assim em lugares e épocas bastante diferentes da que vivemos no Brasil de hoje. Anton Tchekov em seu “O Jardim das Cerejeiras” mostrava na Rússia de incipiente capitalismo a fúria lancinante de uma família da aristocracia rural, sitiada em sua casa da cidade pelos representantes da nova classe de comerciantes e industriais, prontos a pagar em moeda sonante o que restara do patrimônio penhorado por dividas.

Talvez seja isso mesmo o que a manifestação solitária de 20 pessoas na Manhattan brasileira, a Avenida Paulista, pareceu demonstrar numa ordinaria sexta feira de janeiro: a reação ao sentimento de insignificância daqueles que tendo antes cimentado a relação do estado com os mais ricos percebem-se agora politicamente descartados pelo status quo.

Por que acabaram deserdados transparece de maneira eloquente no relato que faz em primeira pagina o jornal Valor Econômico, transcrito abaixo, sobre a maneira pela qual os setores capitalizados da sociedade brasileira veem conseguindo valorizar ainda mais seus ativos por meio do mais baixo custo do dinheiro vigente no mercado financeiro, desde que em 1994 foi lançado o “plano real”.

Agora já é possível aos milionários comprarem barcos, aeronaves e fazer até investimentos usando dinheiro levantado às novas taxas praticadas no mercado, ao invés de lançar mão das aplicações com melhor remuneração feitas pelos fundos de investimentos para detentores de fortunas nos “private equity”.

Juro menor atrai a classe A
Do Valor Econômico, edição de 15/01/2013
A forte redução dos juros também mudou a vida financeira dos brasileiros endinheirados. Com a taxa Selic a 7,25% ao ano, os milionários começam a achar mais vantajoso tomar crédito do que pôr a mão no bolso para adquirir bens de valor elevado - imóveis de altíssimo luxo, aviões, helicópteros etc. - e até para realizar investimentos.

O volume de crédito no segmento de private banking - que abriga clientes que têm mais de R$ 1 milhão só para aplicações - cresceu 33,2% em 2012 (até setembro, último dado disponível), mais que o dobro do crédito para pessoa física em geral. "Nossa carteira de crédito no private cresceu 50% no ano passado. Na parte imobiliária, o volume dobrou", diz Luiz Severiano Ribeiro, diretor do Itaú.

A perspectiva dos executivos de bancos ouvidos pelo Valor é de que o ritmo dessa expansão siga em dois dígitos nos próximos anos. O estoque de crédito no segmento era de R$ 12,75 bilhões em setembro, o que representa apenas 2,6% dos ativos totais sob gestão (R$ 496,2 bilhões). Nos grandes bancos globais, a relação entre ativos e crédito no segmento supera 10%. "Em outros países nos quais atuamos os empréstimos representam 15% dos ativos", afirma Maria Eugênia López, diretora do "private banking" do Santander, que viu as concessões de crédito a milionários avançarem 40%.

"Os clientes podem pagar o que quiserem à vista, mas percebem que não há motivo para desmontar uma carteira de investimentos que rende mais que o custo da dívida", afirma Gabriel Porzecanski, diretor de "private bank" do HSBC, cujo carro-chefe tem sido empréstimos para aquisição de imóveis, sobretudo nos EUA. Por essa lógica, não há motivos para se desfazer de parte de uma carteira de ações que pode render 12%, 15%, 18% ao ano para comprar um helicóptero com uma linha de crédito de 9% ao ano, por exemplo.

Das cinco linhas do private, a que mais cresceu em 2012 foi a de "empréstimos diversos", operações de curto prazo cujo volume aumentou 153% e atingiu R$ 3,79 bilhões. "O financiamento de aeronaves tem sido, junto com os imóveis, um grande atrativo no segmento", afirma Ribeiro, do Itaú.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Intelectuais impacientam-se com Dilma








Acabo de ler artigo do intelectual e professor da Universidade de São Paulo Vladimir Safatle sobre os dois anos transcorridos do governo Dilma, na primorosa edição que a revista Carta Capital dedicou à avaliação da primeira metade desse governo e à análise de tendências para o biênio que o completará.

A reflexão chamou atenção não apenas pelo tom crítico que adota com relação ao tratamento dado a questões emergidas durante o transcurso dos 2 anos iniciais do governo como também ao prenúncio da existência de forças centrípetas na sociedade que apontam para a radicalização de posições políticas.

As ideias do articulista seguem na trilha aberta pela interpretação do ex-porta-voz da presidência no Governo Lula, André Singer – que parece ter se tornado canônica entre os que pensam o atual período histórico do País – de que o fenômeno do “lulismo” seria caracterizado pela política deliberada de mediação de conflitos sociais pelo aparelho de Estado, devido à baixa capacidade das instituições políticas para fazê-lo e `as habilidades inatas de negociador possuídas pelo ex-presidente, num contexto de crescimento conjuntural da renda média de assalariados, dos lucros auferidos por empresários e dos ganhos daqueles que vivem de aplicações financeiras, banqueiros inclusive.

Não surpreende o enfoque dado por Singer ao papel assumido pelo Estado numa sociedade marcada pela desigualdade como a brasileira e que sirva de ponto de partida na análise tanto daqueles que acentuam a natureza transitória do arranjo de poder estabelecido sob o governo Lula, dependente dos ofícios do mandatário, quanto dos que pregam a radicalização dos processos políticos de sentido transformador que eclodiram sob aquele governo e que têm agora, no governo Dilma, um momento de inflexão.

As críticas insinuadas por Safatle situam-se no campo dos que se impacientam com a nota técnica que Dilma dá a seu governo e alertam para a modificação do panorama econômico que forneceu as bases para a solução não conflituosa de impasses distributivos no âmbito do Estado e com a falta de maestria política pela presidente na arbitragem de disputas políticas.

Algo mais elaborada, a análise do sociólogo ecoa uma discussão que já vem sendo travada nas redes socais sobre a conveniência de Dilma continuar a equilibrar-se nos próximos dois anos sobre a estreita passarela que separa um Estado liberal, indiferente às conquistas recentes da cidadania, e um Estado indutor do desenvolvimento que teria por finalidade a eliminação da desigualdade.
   
O crescimento dos partidos de centro apenas refletiria, de acordo com a visão esposada pelo intelectual, a ausência de rumos a seguir que tomou conta do ambiente político e a adversa formação de massa política crítica para uma virada que poderia fazer transbordar o tecnicismo percebido no governo Dilma numa virada conservadora comandada pelos setores financeiro e industrial mais oligopolizado da economia, os quais possuem seus próprios candidatos.

Estaríamos ainda segundo essa visão a uma quadra da inevitável radicalização de posições políticas e só a intervenção dos movimentos sociais poderia fazer a balança pender novamente a favor das forças comprometidas como as grandes transformações almejadas para o País.

Mas a simples existência da polêmica é prova de que Dilma está acertando nos passos da dança que lhe darão um segundo mandato, ainda que dele tenha que abrir mão, em nome da preservação da figura de Lula, caso tenha prosseguimento a estratégia abraçada pelos seus contendores no controle da mídia de tentar fazer ruir o edifício moral que abriga o “lulismo” e o arsenal de vontades políticas que lhe dá vida.

Numa sociedade diversificada e plural como é hoje a brasileira apontar desde já um caminho inequívoco como fez antes o derrubado presidente João Goulart, o das reformas de base do começo dos anos 1960, será sempre laborar no fomento do conflito, que polariza posições, divide ideologicamente aliados e impede que mudanças estruturais possam desenvolver-se à partir do casulo de uma sociedade civil cada vez atenta, educada e informada sobre aquilo que consulta seus mais legítimos interesses.

Não se menospreze o caminho do meio que levou a China a se erguer dos destroços da guerra fria. O que importa é como diziam Lula e antes dele setores da igreja católica a opção que se faça pelos mais pobres, por mais piegas que isso possa soar ao discurso de esquerda. Talvez a luta de classe não tenha acabado, mas para brandi-la como instrumento de política é preciso estar preparado para optar pela guerra, ainda que a guerra feita por outros meios como é a política.

Os que estão insatisfeitos com o que consideram amaciamento de Dilma parecem olvidar o reconhecimento que lhe empresta o povo mercê dos embates que travou e venceu no campo da política e da economia.  Promoveu um “plano real II” com a redução histórica dos juros e exerceu com rigor o poder de Estado para fazer valor o interesse popular no caso da arbitragem das tarifas de energia.

 Nos dois casos ousou fazer o que não foi possível a Lula, enfrentar os banqueiros. Isso porque os juros sempre foram o lucro tabelado dos rentistas e a energia, desde as privatizações do setor elétrico, negócio de grandes bancos. Poucos sabem que o maior acionista da paulista CESP, que não fechou acordo com o governo Federal para reduzir o preço da energia fornecida à indústria, não é o governo de São Paulo, mas sim o banco inglês HSBC. O que permite entender as recentes críticas ao governo Dilma na também inglesa revista “The Economist”.

Que o jogo político vai esquentar na segunda metade do governo Dilma, ninguém tem dúvida. Agora, os setores sociais que apelarem à insensatez nesse embate terão que se confrontar com aqueles que enxergam no governo Dilma um governo de continuidade das mudanças estruturais na economia e na nossa sociedade. Não é crível que uma ex-guerrilheira não saiba a hora de apertar o gatilho, acreditem-no os intelectuais.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Angústia na mídia


 
 
Parafraseando Lula, nunca antes na história política deste País o antipetismo entrou com tamanha desvantagem numa disputa política. Retrocedendo no tempo, há dois anos do final do primeiro mandato de Lula, a oposição depositava todas suas esperanças nos efeitos do que chamava de mensalão. Em igual momento do segundo mandato tinha a expectativa de que a ausência de rivais com o carisma de Lula tornasse um passeio seu retorno ao Planalto.

Por duas vezes a oposição pôde contar com um clima favorável de partida, que lhe garantiu na mídia certa discursividade plena de apelos de adesão e de adensamento das candidaturas colocadas em confrontação com o governo petista. Apenas algumas vozes antecipavam os possíveis percalços da empreitada em meio ao alarido da comemoração antecipada do “olha nós aí outra vez”.

Agora é diferente.  Depois de haver jogado sem sucesso todas suas fichas no julgamento da ação penal 470 só restou apreensão nas análises das vozes dominantes no rádio e televisão. Um exemplo significativo dessa agora inédita racionalidade negativa que tomou conta do discurso político hegemônico é bem expresso no texto que o Grupo Folha e as Organizações Globo fazem publicar, pela pena do jornalista de política Cristian Klein, no jornal Valor Econômico de 3 de janeiro de 2013.  Ei-lo na íntegra.

                                                                                                                                

Ventos a favor de Dilma, com ou sem pibão

Por Cristian Klein do Valor Econômico

Se o Brasil terá um pibinho ou um pibão em 2013, é difícil prever. Analistas costumam cravar nas casas decimais um crescimento da economia que pode se revelar, ao fim e ao cabo, totalmente fora do esperado. Consultorias chegavam a apontar um aumento de 4,5% em 2012 e o PIB deverá ficar abaixo de 1%. Menos instáveis têm sido as previsões políticas. O ano-novo marca a metade do mandato da presidente Dilma Rousseff e uma coisa que se pode dizer é que a petista já tem motivos para comemorar até um feliz 2014, quando, ao que tudo indica, concorrerá à reeleição.

Dilma abre o terceiro ano de governo com uma combinação de fatores econômicos e, principalmente, políticos que lhe deixam numa situação bastante favorável.

Há a ameaça constante de contaminação da crise dos Estados Unidos e da Europa, o crescimento da economia nacional é baixo, mas a situação de pleno emprego e a manutenção do poder de consumo têm pesado mais na balança. A aprovação ao governo Dilma, de 62%, supera com folga à obtida por Lula, 41%, e Fernando Henrique Cardoso, 47%, no segundo ano do primeiro mandato dos dois ex-presidentes.

PSD e PSB grudam no governo ao se armar tabuleiro para 2014

Muito pode acontecer até 2014, a eleição parece longe, mas o tempo político exige a antecipação dos movimentos em pelo menos um ano, devido ao prazo de filiação partidária. A entrada ou não de Marina Silva no páreo, por exemplo, deve ser definida neste mês. Caso queira fundar um novo partido, a ex-senadora que surpreendeu em 2010, com 20% dos votos, precisa agir rápido para mobilizar seu grupo/movimento, reunir quase meio milhão de assinaturas e obter o registro até outubro.

A participação de Marina é uma incógnita que pode ter algum efeito sobre o resultado da disputa, mas não deve ser nem sub nem superestimada. Tende forçar, no máximo, como em 2010, à realização de um segundo turno no qual Dilma permanece favorita.

Pelo menos duas razões alimentam o favoritismo. Em primeiro lugar, a presidente encontrará uma oposição mais enfraquecida. O PSDB, principal legenda adversária, tem o desafio de reunir suas hostes em torno do senador Aécio Neves. O ex-governador de Minas encontra dificuldade de empolgar o QG do partido, desde sempre concentrado em São Paulo. Os tucanos têm ainda problemas crônicos no terceiro maior colégio eleitoral do país, o Rio de Janeiro, a ponto de cogitar saídas heterodoxas para criar um palanque no Estado. Transferir o título do ex-governador de São Paulo José Serra para o Rio, lançar o apresentador de TV Luciano Huck ou economistas da era FHC sem carreira política dão a medida da escassez de alternativas do PSDB.

O racha no DEM, segunda maior sigla de oposição, não só dividiu os adversários, como trouxe um naco relevante deles para o campo governista. Liderada pelo agora ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, sob a bandeira do recém-criado PSD, uma nova tropa aderiu à já ampla coalizão que sustenta a presidente.

De tão grande, esta coalizão passou todo o ano de 2012 sob o risco de esgarçamento. Nos dois último meses, porém, Dilma recebeu indicações de que seu exército marchará unido. É a segunda razão para o favoritismo.

O emergente governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), deixou de lado seu discurso ambíguo, afirmou que não será candidato em 2014 e apoiará a reeleição da presidente. É uma declaração que deixa o cenário ainda mais claro e favorável à Dilma, uma vez que também se especulava sobre a possibilidade de Campos romper com o governo federal e unir-se a Aécio Neves. Não o fará. Seja pela expectativa de ser apoiado ou se ver livre de compromissos com o PT, em 2018, seja porque atualmente enfrenta resistências dentro do próprio partido, a começar pelos irmãos Ciro e Cid Gomes - ex e atual governador do Ceará - que hipotecam apoio a Dilma.

Ao mesmo tempo, a presidente amarra o PSD. Apesar de criado para fazer a transposição de oposicionistas em direção à base do governo, nada garantia que Kassab e sua turma dessem meia volta volver. Mas as tratativas para a entrada do partido no ministério grudam os pessedistas à administração do PT justamente no momento em que se arma o tabuleiro para 2014. Até a senadora ruralista Kátia Abreu (TO), única com condições de desafiar Kassab no PSD e crítica ferrenha durante o governo Lula, está na órbita de Dilma Rousseff.

A adesão do PSD tornou-se uma necessidade ainda maior para a sobrevivência da liderança partidária do ex-prefeito depois da derrota nas eleições municipais, quando sua administração foi reprovada e seu candidato, Serra, saiu derrotado.

As eleições locais, embora não sejam preditores para a disputa presidencial, deram a medida da correlação de forças. E as siglas de oposição, no geral, minguaram. O PSDB perdeu quase cem prefeituras e o DEM, mais de 200. Legendas aliadas ao governo federal, mas ideologicamente distantes do PT, como PR, PP e PTB, deixaram juntas o poder em mais de 300 municípios. Ao todo, as cinco siglas perderam 631 cidades, número semelhante às 684 ganhas a mais por PT e PSB somadas às conquistadas pelo novato PSD.

Isso mostra que o impacto do julgamento do mensalão nos resultados foi não apenas nulo, como não evitou a vitória mais cobiçada pelo PT, que elegeu Fernando Haddad, em São Paulo. Para piorar, a pressão da opinião pública - ou pelo menos a atenção - nos próximos meses foi empurrada para o lado da oposição, que se verá às voltas com o julgamento do mensalão mineiro, do PSDB, como prometeu o STF.

Por fim, o vento sopra a favor da reeleição quando entram na conta atores da sociedade civil como os sindicatos e o empresariado. Os primeiros não se sentem tão representados quanto na era Lula, mas suas preferências estão longe da agenda da oposição. Já os empresários, sobretudo os da indústria, tiveram suas demandas atendidas pelo Executivo, especialmente na cruzada pela redução da tarifa de energia elétrica. A luta de Dilma em prol da energia barata foi saudada em generosos anúncios publicitários pelas federações das indústrias de São Paulo (Fiesp) e do Rio (Firjan). É mais um sinal de que a presidente ruma para a sucessão tão ou mais forte que seus antecessores - mesmo que não venha o "pibão grandão" que Dilma pediu no Natal.