O texto que você lerá abaixo, do professor César Zuco da FGV, é um dos mais interessantes publicados na imprensa diária sobre a disputa eleitoral que transcorre neste momento no Brasil. A análise nele desenvolvida se destaca das demais por estabelecer referenciais estruturais, válidos para o conjunto dos países latino-americanos, para avaliar as chances reais de reeleição de mandatários ou de seus apoiados sem as distorções produzidas pela injunção dos acontecimentos mais imediatos responsáveis por oscilações conjunturais na posição relativa dos candidatos.
Por essa análise, apenas uma hecatombe (nas palavras do autor) poderá impedir Dilma Russef de ser reconduzida ao Palácio do Planalto, ainda em primeiro turno, nas eleições que se avizinham. Ao texto.
Conjuntura desfavorável, estrutura nem tanto
O ano eleitoral traz consigo o "império da conjuntura", quando cada fato ou factoide novo é examinado à exaustão por analistas e interpretações muitas vezes conflitantes são "repercutidas" pelas equipes de assessores e simpatizantes dos principais postulantes à Presidência.
É compreensível, e até mesmo justificável, que este esporte torne-se mania nacional. Afinal, a enxurrada de novidades potencialmente relevantes é tanta que a campanha presidencial - e consequentemente o país - parecem poder tomar um novo rumo a qualquer momento.
Há evidências, no entanto, de que talvez a conjuntura não seja tão relevante quanto tendemos a crer. As eleições presidenciais americanas, por exemplo, podem ser previstas com bastante precisão mais de um ano antes do pleito, com base em variáveis econômicas que mudam apenas lentamente. A intenção de voto do eleitor americano varia bastante, e às vezes bruscamente, ao longo do período eleitoral, mas teima em convergir para a estimativa "estrutural" feita antes mesmo de se conhecer a identidade dos candidatos.
Cenário econômico externo sugere que Dilma será reeleita
O Brasil difere dos Estados Unidos em muitos aspectos e não temos uma série longa de eleições para analisar. Cabe perguntar se é possível, dados os limites impostos pela existência de apenas seis eleições presidenciais, fugir da análise meramente conjuntural e tentar interpretar os sinais estruturais para a eleições de outubro.
Duas formas razoáveis de contornar a falta de dados incluem tanto a comparação do Brasil com países parecidos, quanto a mudança do foco da análise de resultados eleitorais para a aprovação de presidentes, para a qual temos uma série longa de dados.
Em países que, como o Brasil, exportam commodities e importam capital, duas variáveis econômicas internacionais - preços de commodities e a taxa de juros americanas - exercem forte influência sobre a economia doméstica, e, por sua vez, afetam o sucesso de presidentes. Estas duas variáveis podem ser combinadas num único indicador de "bons ventos" econômicos, que revela um mapa bastante intuitivo e acurado do cenário econômico internacional ao longo das últimas décadas para esses países: condições extremamente desfavoráveis nos anos 80, melhora progressiva até meados da década de 90, uma breve porém significativa deterioração no fim daquela década, e uma melhora sem precedentes a partir de 2002. O índice atingiu seu máximo em meados de 2011 e desde então vem caindo.
O índice de "bons ventos" tem um impacto muito grande na probabilidade que qualquer presidente latino-americano se reeleja ou eleja seu sucessor, e nos ajuda a entender por que poucos governos elegeram sucessor nos anos 80 ou na virada do século.
O índice explica também grande parte da variação da avaliação de presidentes brasileiros desde 1988. Seu impacto é indireto, afetando inúmeras variáveis econômicas domésticas como crescimento, inflação, desemprego, nível de renda e taxa de câmbio. Estes indicadores se combinam para afetar a percepção da população, mas a influência de cada uma depende muitas vezes do nível dos demais, e as associações entre eles tornam a tarefa de separar os efeitos de cada variável na aprovação longe de trivial. O uso do indicador externo, portanto, simplifica a análise ao passo em que retém grande poder explicativo.
Convém salientar um ponto fundamental que decorre da análise. Nós - assim como os demais latino-americanos - avaliamos governos com base em resultados que em grande parte não são causados ou controlados por eles. Atribuímos inteiramente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o sucesso econômico de seus governos desconsiderando que o cenário externo era extremamente favorável, e não descontamos o fato de a presidente Dilma Rousseff estar governando durante um período bem menos benigno. Este erro de atribuição, por sinal, é frequentemente cometido tanto por eleitores comuns quanto pelos mercados hiperinformados e racionais.
As vésperas do protestos de 2013, a taxa de avaliação positiva da presidente Dilma estava nos níveis previstos pelo contexto econômico internacional. Despencou, recuperou-se parcialmente, mas ainda está bastante abaixo dos cerca 55% que seria de se esperar hoje. O índice de "bons ventos" segue em queda, tendo baixado cerca de 20% desde o pico. Apesar da direção ser negativa, o seu nível é superior ao de 2006, e ainda bastante positivo em termos históricos.
Na falta de uma bola de cristal, o passado é o melhor guia para antecipar o futuro. Projetando um cenário razoavelmente pessimista para os próximos seis meses, com algum aumento na taxa de juros americana e queda adicional das commodities, a experiência dos últimos 25 anos indica que a presidente deveria chegar em outubro com mais de 45% de avaliações entre boa e ótima. Não há uma maneira precisa de traduzir esta popularidade em votos, mas sabe-se que ela tende a ser mais direta nas eleições em que o presidente é candidato a reeleição.
Em resumo, a não ser que tenhamos ingressado em um mundo completamente diferente do que existia antes de 2013, e que a avaliação do presidente tenha se desconectado de seus determinantes estruturais históricos - uma possibilidade que não podemos nem confirmar nem descartar - há poucas chances de o governo perder a eleição.
Apesar da minha ênfase em determinantes estruturais, é evidente que a conjuntura pode não colaborar. Porém, exceto por um cataclisma político da dimensão de um apagão elétrico, uma maioria esmagadora das pequenas e médias incógnitas conhecidas ou desconhecidas a serem realizadas entre agora e outubro teriam que desfavorecer o governo. Isso pode até acontecer, mas a probabilidade de tal conjunção é baixa.
Assim, este exercício sugere que a sensação difusa, porém geral, de que a eleição de 2014 será extremamente competitiva seja, talvez, fruto de uma valorização excessiva do conjuntural em detrimento do estrutural.
Cesar Zucco é cientista político, professor da FGV-Ebape e colunista convidado do Valor. Publicado no jornal Valor Econômico de 6 de junho de 2014.