quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O gurú André Lara Resende e a profecia tucana


Acostumamo-nos há muito com a circulação de teses que prognosticam um futuro desastroso para a humanidade e as admitimos até no plano das ciências naturais e das ciências humanas. Parecem razoáveis pelo fato de soarem coerentes com a lógica dos sistemas com que aprendemos ordenar o funcionamento do mundo. Pois se estes são regidos pela funcionalidade autônoma e ao mesmo tempo integrada de seus componentes, nada impediria que disfunções internas levassem à perda de organicidade e mais adiante à sua desorganização completa.

Desde quando o mito restou superado como meio de pôr ordem no caos do mundo é que o terror de que algo dê sistemicamente errado surge no horizonte das possibilidades para tolher certa disposição de ânimo inata ao ser humano de prosseguir, seja reordenando o nexo de coerências com que guia sua compreensão do real seja pura e simplesmente agindo sob o impulso do pragmatismo para pôr em prática novas realidades.

Esse terror quase místico de que algo dê errado assombra o homem desde os tempos das cavernas e alojou-se definitivamente no plano da razão como último refúgio da incerteza. Desse sentimento perverso e difuso nutrem-se não apenas, de boa ou má fé, as religiões como também os que têm o status derivado do fato de pensarem para os empoderados uma ordem social que continue a ser-lhes favorável.

A reflexão vem à mente em função do mais recente artigo do economista André Lara Rezende no jornal Valor Econômico, em que elabora uma espécie de teoria do fim do mundo para a economia mundial em que as disparidades seriam congeladas porque os países mais ricos, tendo ingressado numa fase de amadurecimento tecnológico pleno,  tornaram quimérico o chamado “steady growth” (crescimento sustentável) e absolutamente inócuos os melhores esforços dos governos para promover o crescimento econômico e a eliminação das disparidades sociais.

O olhar messiânico do artigo de Lara Resende estabelece-se desde o título (Além da Conjuntura) e é pacientemente tecido em mais de uma dezena de laudas nas quais abundam citações ao falecido economista John Maynard Keynes, que inspirou nos últimos anos o ativismo de governos de países em desenvolvimento nos esforços para debelarem a perda de dinamismo deste que mais parece um novo ciclo de estagnação das grandes economias ocidentais nos moldes da que se verificou no início do século passado.

Lara Resende parece vivamente impressionado – e é dele que extrai o grosso do seu arrazoado – com o livro do economista americano Robert Gordon cujo título (O Crescimento Já Era?, em tradução livre) vai na mesma direção do seu. Basicamente o americano repete o dito caipira nativo que diz que aonde a vaca vai o boi vai atrás, remodelando a conhecida teoria da dependência capitalista (da periferia em relação ao centro) que fez antes o sucesso de outro gurú de época, Fernado Henrique Cardoso. Apenas que agora em sentido terminativo e fatalista.

Isso porque Gordon espreme os escritos de Keynes para fundamentar sua tese capital de que o grande motor do sistema capitalista, o investimento, teria fundido em consequência da chegada dos países ricos ao que ele chama de fronteira tecnológica do crescimento, um estágio à partir da qual os investimentos minguam e o crescimento perde sustentabilidade. Por tal entendimento, as economias periféricas ainda se moveriam para diminuir a distância que as separa das desenvolvidas mas só até o ponto em que ainda perdurassem os benefícios das transformações sistêmicas motivadas pela implantação de infraestruturas e dos motores a explosão, já que as mudanças dependentes da informática mostraram-se, segundo o autor, de baixa produtividade e de difusão restrita.

Não se sabe se é do resenhado ou do próprio Lara Resende a tentativa de inocentar Keynes do “desvio” de haver postulado a primazia dos estímulos ao crescimento na economia, com o argumento de que o pensador inglês nunca havia considerado o crescimento um fenômeno de natureza continuada mas sim um processo com limites claros, no limiar dos quais o homem viveria uma era de riqueza traduzida não pelo acúmulo indefinido bens porém pela diminuição do tempo dedicado ao trabalho em favor do lazer e da cultura.

No mesmo diapasão alegam, resenhista e resenhado, que parte da teoria de Keynes (sobre a melhor forma de lidar com a crise econômica mundial da década de 1920) teria sido tomada pelo todo, passando a ser vista erroneamente como o cerne da sua teoria, quando, na verdade pretendia o célebre economista propor aos jovens fascinados com as promessas do socialismo, cenários alternativos de um capitalismo pós-crescimento em que o trabalho daria lugar nas economias avançadas ao bem estar geral e ao cultivo do espírito.

Desse mal  entendido afirma Lara Resende é que adviria toda a ladainha em favor do crescimento a qualquer custo das economias periféricas e a imersão de governos numa espécie de visão de curto prazo que não teria em conta o o quadro mais amplo da estagnação definitiva do capitalismo, na qual pouco restaria  a fazer senão administrar diferenças entre ricos e pobres, senão pelos motivos estruturais que aponta ao menos pela impossibilidade conceitual inerente à noção relativista de pobreza, dado que sempre haverá alguém que se julgue mais pobre que outro.

Como que querendo fugir à previsível pecha de “catastrofista” que o artigo poderia render-lhe, Lara Resende desvia-se da aplicação economicista que dá ao termo “crescimento sustentável”, de estagnação econômica de longo prazo, para fazer recair o epíteto de “catastrofista” sobre os ambientalistas, os quais, segundo o autor, possuem uma visão fundamentalista da inevitabilidade das hecatombes naturais, de per si nem um pouco evitáveis por meio de estratégias de crescimento baseadas na ideia de crescimento sustentável que que buscam compatibilizar crescimento e meio ambiente.

Ah sim, Lara Resende afasta-se dos neoclássicos fazendo-lhes o que a princípio parece ser uma crítica, a de não verem os limites estabelecidos pela fronteira tecnológica à contínua expansão dos mercados, uma espécie de marca invisível a que teria chegado a humanidade impedindo-a de prosseguir rumo à persistente elevação dos níveis de produção e à mais equitativa distribuição das riquezas até o ponto de apagamento  das mais severas desigualdades.

Afasta-se, no entanto, para reencontrá-los no giro seguinte porque nada vê de errado com os movimentos dos mercados para acomodarem-se a oscilações de curto prazo na economia. O mal está nas ingerências  praticadas pelos governos na tentativa de substituí-los na alocação de recursos e repartição de bens, desorganizando-os ainda mais e amplificando assimetrias de per si irreversíveis.

O que fica em definitivo de toda a elocubração de Lara Resende é que esse muito barulho por nada a que se dedicam países em desenvolvimento, como o brasileiro, faz sentido apenas na superfície e acena no mais longo prazo com algo que não podem em definitivo entregar, a ascensão dos mais pobres e o desenvolvimento nacional.

Vale dizer, as políticas públicas que buscam lidar com a crise internacional – que no entendimento do teorista é a última do capitalismo antes do congelamento definitivo das desigualdades entre nações e indivíduos – apenas desorganizam o Estado, ampliam os conflitos redistributivos e, por conseguinte, a balbúrdia na política.

A ninguém escapa que André Lara Resende tem sido o pensador par excellence do tucanato, que se posta todo engalanado para ouvir o que tem a dizer o ex-menino prodígio do plano real. Pois se desta vez abraçarem isso que mais parece um constructo teórico da impotência a que chegou certo grupo de intelectuais alinhados ao capital financeiro, o PSDB e seus satélites estarão abrindo mão de postular o poder. Porque nada mais terão a oferecer à sociedade além de um deiberado conformismo diante da desigualdade, que cinicamente propõem gerenciar.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Contragolpe de Lula e Dilma






A cada veneno seu antídoto. Pois não quer a mídia que funcionários do Estado escrevam o último capítulo da biografia de Lula, como afirmou o próprio ex-presidente em seminário recente do partido socialista em Paris?

Que encarem então os arquitetos da desconstrução de sua imagem, no roteiro que simetricamente leva à construção da candidatura de oposição de Aécio Neves, a possibilidade de retorno do líder sindical novamente ao cargo máximo do País, desta vez com uma agenda reformadora cujo principal alvo será a democratização da mídia, nos termos do que foi feito no berço do liberalismo, o Reino Unido.

Não foi de outra coisa que trataram Lula e Dilma em demorado encontro no Hotel Bristol a poucos passos do Eliseu. O que os dois têm acertado entre si para 2014 é um revezamento de posições, de acordo com as circunstâncias de momento.

O jogo de desarrumação da base de apoio de Dilma, posto em movimento pela mídia com o estímulo às pretensões de Eduardo Campos e quiçá até a retirada de apoio do PMDB em surpreendente – porém não inusitada – candidatura própria, poderá sofrer um revés com a simples iniciativa de lançamento da candidatura do operário-presidente. 

Com popularidade e aprovação superior ao candidato à recondução ao Palácio dos Bandeirantes, Geraldo Alckmin, acossado pela crise da segurança pública no estado mais importante da Federação, Dilma pode ser uma excelente aposta para acabar com o domínio de um quarto de século do PSDB em São Paulo.

A estimativa de tempo de sobrevida no poder pelo PT colabora para a tomada da pragmática decisão. Com o apoio de Dilma operar-se-ia uma espécie de transferência de votos às avessas, desta vez da criatura para o criador no Sudeste e Sul do País, e ter-se ia uma opção viável para 2018 quando Lula já tivesse escrito ao modo que lhe é de direito o último capítulo de sua biografia.

Como bem alertou o jornalista Altamiro Borges, a ideia causa urticárias no braço midiático da oposição ao governo. Talvez não tenha sido por outra razão que a editora de política do principal noticioso da TV a cabo da Globo, Renata Lo Prete, teve sua fala cortada bem quando iniciava um veemente ataque a Lula na edição de 13 de dezembro do telejornal.

A ofensiva política do ex e da atual presidente em Paris também coincide com informações sobre o retorno do secretário Franklin Martins ao governo, responsável pela proposta de lei que aguarda tramitação no Congresso regulamentando a concentração na mídia.