quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Quem começou a campanha eleitoral?


Acusam o Governo de precipitada e prematuramente haver dado início a campanha eleitoral. Nada mais falso. Dilma e seu operador político Lula apenas responderam no plano da política partidária a movimentos nem um pouco sutis das forças interessadas em restringir a interferência do Estado na economia nos moldes que tem caracterizado a atual gestão.

A ênfase no lado real da economia - o da produção - com políticas de incentivo a indústria e ao mercado interno produziram um ponto de máxima resistência por parte dos setores ligados aos ganhos de capital.

Em particular o corte abrupto das taxas de juros e a redução das tarifas de energia no episódio do cancelamento das renovações automáticas das concessões, deixaram muito bem estabelecido para esses setores que mais 4 anos de políticas de controle das variáveis que afetam o preço do dinheiro e os ganhos de tesouraria seriam  intoleráveis .

Então iniciaram os primeiros movimentos de reação. Primeiro foi o terrorismo de divulgar a todos os pulmões, na mídia que controlam como anunciantes de peso, que caminhávamos para o colapso no fornecimento de energia devido às medidas de “desestímulo” postas em prática.

Depois foram os movimentos patrocinados por grandes bancos nacionais estrangeiros no sentido de derrubar o ministro da Fazenda brasileiro buscando instigar contra o Governo os investidores e bancos internacionais.

A campanha continuou com ataques a Petrobrás e ganhou expressão nitidamente política com o retorno ao noticiário das articulações do provável candidato das oposições (Aécio Neves) com a equipe econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no sentido de formular uma alternativa liberal à condução da economia.

Fez parte dessa iniciativa para consolidar uma estratégia eleitoral oposicionista o estímulo aos movimentos de dissidência do governador de Pernambuco Eduardo Campos com o propósito não apenas de fraturar a aliança governista como também de criar os meios para uma eventual aliança centrista vitoriosa.

A resposta do governo foi a que se viu. Colocou seus tanques na rua, chamou os sindicatos e dobrou a aposta na parceria com o PMDB, entregando-lhes as duas Casas do Congresso, garantindo-lhe a vice-presidência na chapa de Dilma e reforçando sua cota de ministérios importantes. De outra parte, a campanha movida pela mídia com o beneplácito da oposição contra os novos presidentes da Câmara e do Senado, apenas fizeram empurrar o PMDB ainda mais para os braços do PT.

Como se diz no pôquer, Dilma trucou. A um só tempo expôs a nudez ideológica e programática do voraz partido socialista, deslocado em seu papel de quinta coluna, e mobilizou o que se chama de forças vivas da sociedade em torno de um eixo comum, a defesa de um modelo inclusivo de governo, “do povo, para o povo e pelo povo”. Lula já chamou a CUT e a Força Sindical para perfilar nesse confronto cuja alternativa à unidade é passar para o lado de lá, para o lado antisindical ou tatcherista de Malan e Cia.

Prova de que o contra-ataque funcionou é o retorno dos choramingas propagandistas da oposição nas colunas de rádio e televisão. Alegam que Dilma estaria subvertendo as regras do jogo porque usa a vantagem de exposição para antecipar a campanha eleitoral, como faz a sabuja Dora Kramer em sua coluna no Estadão. Ou partem para a desqualificação – do tipo da que faz Bosco Rabello – ao dizer que Dilma não manda mais em seu Governo porque Lula nele faz e desfaz para manter a mandatária no poder.

Quem deflagrou a campanha eleitoral foram as oposições. Que dancem agora conforme a música.  Muito alegre para o Governo e apoiadores, como o demonstram os formidáveis indicadores econômicos do primeiro bimestre de 2013.

  

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Por que é religioso o partido de Marina Silva


 
 
A recente entrevista da ex-senadora Marina Silva ao programa de televisão “Roda Viva” foi uma demonstração divertida de como o pensamento religioso é capaz de ocultar-se a si mesmo e transformar seu portador em campeão do convencimento e do bom senso. Claro que do outro lado, na bancada dos inquiridores, estavam homens e mulheres acostumados a certa espécie de perguntas ordinárias que não ultrapassam a superfície daquilo que é notícia.

E foi notícia a inciativa da entrevistada de criação de partido político que se nega como tal e pretende ser veículo de uma vontade coletiva e suprapartidária a que chama de “rede”. Como assim, um partido que não representa interesses e não disputas posições colocadas na sociedade, que apenas explora a virtude de consensos? Foi esse o tom dos questionamentos feitos a Marina, como se ela mentisse ou incorresse num devaneio do qual não seria capaz de prestar contas se um dia enfim chegasse ao poder.

O que deveria ser colocado em evidência nos movimentos de Marina eram as premissas que os embasavam e a visão de processo político que encerravam. Quando no século 17 Francis Bacon disse que “de uma virgem consagrada a Deus não poderia advir o quer que fosse” pensava estar colocando ponto final numa modalidade de pensamento que nascido da retórica de Aristóteles entendia como “antirracional e responsável por um idealismo fora de moda”.

Essa ideia seminal a que cabia por fim era a teleologia. Na ciência antiga, também chamada de filosofia natural, a teleologia sustentava que um sentido de finalidade dominava a trajetória das coisas no mundo, em particular das coisas vivas.  O exemplo que Aristóteles dava era o da espiga nova, que florescia num broto de sementes exatamente porque era seu propósito transformar-se num pé de milho.

Em alguns momentos a teleologia parecia assumir a forma de uma mente criadora em ação agindo à partir do telos (a causa final) para pôr ordem no mundo, a chamada causação mecanicista. Para que a ciência pudesse vir à luz como método foi que Francis Bacon denunciou a teleologia como uma forma improvável de deus ex-machina do qual deveria livrar-se a razão humana.

A tarefa que se impôs Francis Bacon revelou-se bem mais difícil do que parecia e bolhas de pensamento teleológico continuaram a vir a tona durante a longa jornada do pensamento lógico, em particular nas questões relacionada à vida. Immanuel Kant ainda no século 19 julgou proveitoso pensar um ser vivo do ponto de vista teleológico tendo em vista não haver certeza deste tipo de abordagem ser correto ou não. Darwin mesmo passou a ser lido por numerosos admiradores como um interprete de uma leitura finalística da vida, ideia de todo rejeitada pelo cientista.

A concepção de que os entes vivos tinham um propósito atravessou as ciências biológicas e chegou à cibernética e às ciências sociais. Norbert Wiener em seu Tratado de cibernética de 1948 (Cibernétiica: controle e comunicação no animal e na máquina) argumentava que dado serem os sistemas artificiais estruturados para a utilização de “feed-backs” (quando “outputs” são utilizados novamente como “inputs”), estaríamos prestes a conceber uma forma de máquina teleológica.

Mais recentemente Francis Fukuyama, muito referenciado por liberais do naipe de Fernando Henrique Cardoso e Tony Blair, sustentou em seu “O fim da história e o último homem”, de 1992, o argumento teleológico de que as democracias liberais seriam a culminância de um processo de seleção natural nas ciências naturais, predestinadas a se sobreporem a quaisquer outras formas de organização das sociedades.

Da mesma noção está revestida a ideia hegeliana de “política progressiva” que juntaria paulatinamente os mais conscientes em torno de uma rede de consensos, apta a promover crescente melhoria da qualidade da política e das instituições. Não muito diferente do que pensam os “teóricos da singularidade”, que acreditam que a humanidade está predestinada a fundir-se espiritualmente com suas próprias máquinas.

E aqui encontramos Marina e os seus. Trazem uma proposta de articulação política muito parecida com teses propugnadas pelo celebrado escritor “científico” Thomas Nagel cuja obra de 2012 “Mente e Cosmos” foi classificado pelo jornal inglês The Guardian, equivocadamente, como “o mais surpreendente livro de ciência de 2012”.

Fugindo a pecha de cracionista, Nagel sugere que o pensamento teleológico não pressupõe um criador; que se refere mais a uma lei tendencial do universo em que as interações dadas ao acaso tendem a níveis superiores de consciência. Para ele, as coisas acontecem porque há um caminho oculto que as conduzem a determinados desdobramentos, inclusive ao desvelamento de verdades morais. De outra maneira, vivemos num mundo cujo propósito fundamental, ou telos, é a produção de consciência e de valores morais afirmativos.

Os argumentos soam misticamente confortáveis como os de Marina e sua gente: aqueles que tocados pelo senso de justiça e correção divinas vierem a agrupar-se em sua Rede para uma ação política progressivamente mais efetiva, poderão alçar voos espirituais cada vez mais altos com as extensões biomecânicas que lhes coloca a disposiçao a internet.

Por essa razão, diferentes igrejas pentecostais envolvidas com o projeto da ex-senadora saúdam-na como missionária dos novos tempos. Nunca qualquer outra esteve tão perto de trazer tantas almas ao dízimo e oferecer um projeto robusto de poder aos evangélicos. Por meio da "rede", que Cristo lançava ao mar da galiléia e que deu ao evangelismo a figura do peixinho como icone religioso.